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Coluna

O que as tragédias não têm nos ensinado

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As chuvas assolam o estado gaúcho desde 27 de abril e a tragédia climática não tem precedentes no RS - Lauro Alves/Secom
Mais grave ainda é o comportamento humano diante do abismo

Há muitos anos uma palavra esteve na moda: ecochato. Um ecochato é aquele que defende o meio ambiente de forma “exagerada”, criticando ou reprovando, de maneira “exagerada” qualquer ato que julgue como ameaça ao ecossistema. A definição é Michaelis On-line, e as aspas foram por minha conta mesmo. O excesso sempre foi uma coisa pejorativa ainda mais em uma época em que o aquecimento global e desastres climáticos só ocorriam nos livros didáticos de geografia. Diante dos últimos acontecimentos, é conveniente concordar que os ecochatos tinham razão.

Não vou falar de maneira direta sobre o Rio Grande do Sul, nem tampouco ativar em meus neurônios a lembrança de Leite vestindo coletinho laranja e embolando a língua para tirar o seu da reta. A situação por lá é grave porque a situação do Brasil [e do mundo] é grave. Mais grave ainda é o comportamento humano diante do abismo. Assistimos as catástrofes, mas não nos fazemos uma pergunta necessária: E eu com isso?
 
Pois, lhe apresento uma outra palavra da moda: antropoceno [ou capitaloceno, como alguns gostam de chamar]. Esse termo foi popularizado nos anos 2000 pelo químico Paul Crutzen para designar uma nova era geológica definida pelo impacto dos humanos na terra. Sim, estamos acelerando as mudanças climáticas, e toda tragédia global tem a ver conosco. Se há ocorrência de fortes chuvas, aumento de secas, epidemia de dengue e grandes migrações por conta do aumento da instabilidade climática é porque, em anexo, está a nossa assinatura. Somos fruto do capitalismo, do colonialismo e das grandes corporações, a nossa história de vida tem sido trabalhar para acumular e, em consequência, descartar.

A sustentabilidade é uma palavra que foi esvaziada de conteúdo, nos mais variados discursos, não é lucrativa para o sistema capitalista e para o sistema das corporações que sozinhas emitem 70% dos gases de efeito estufa industriais globais. Aí é a hora que você vira para mim e diz que a culpa não é nossa, mas deles. E lá vamos nós, colocar o coletinho laranja. “Eu não tenho relação nenhuma com esse tal antropoceno”. “O governo não faz nada”. “Os grandes não fazem nada”. “Não tenho outra opção”. Concordarei com quase tudo, porque sei que muitos de nós temos sim outra opção.

Afinal, para onde vamos com todas essas coisas, com todas essas roupas, com toda essa comida que compramos só para garantir o mito da mesa farta? Não vamos para lugar nenhum e em algum momento seremos tomados por todo esse lixo que jogamos para debaixo do tapete ou que fingimos não saber ser descartado em um lugar afastado e rodeado de pessoas que, infelizmente, sobrevivem do que a gente descarta. Precisamos cada vez mais aprender a nos relacionar de forma mais saudável com o nosso poder de compra para reaprendermos a nos relacionar com Terra. É necessário tomarmos as rédeas das nossas necessidades e irmos ao reencontro da simplicidade. Aos poucos a gente pode mudar e transformar o outro. Não podemos viver apontando o dedo se a gente seguir se isentando de uma responsabilidade que também é nossa.

Gere menos lixo:
Utilize sacolas retornáveis; reutilize embalagens; ande com sua garrafa, copo, talheres e canudos reutilizáveis; tenha uma cozinha mais sustentável, evite usar plástico filme e papel alumínio (use papel manteiga); evite o desperdício de alimento, congele suas frutas maduras antes que elas estraguem e reutilize use embalagens de congelamento reutilizáveis.

Reduza o consumo:
Compre menos; compre o necessário; celebre com experiências e não com objetos; dê presentes comprados direto da mão de que faz; conserte ao invés de jogar fora.

Honre a mãe natureza:
Contribua da forma que puder com a sustentabilidade; se não puder comprar orgânicos, dê sempre preferências as feiras ou produtos locais; consuma menos carne (um boi pode alimentar várias famílias e não precisa morrer por um rodízio); reaproveite a sua comida e transforme as sobras em algo novo; seja grato a Terra.

A gente não precisa esperar que tragédias aconteçam para refletir o nosso lugar e nossa responsabilidade com o mundo. Mais de 30,7 milhões de deslocamentos foram registrados somente em 2020 devido a desastres relacionados ao clima. Segundo a ONU, os desastres ambientas já provocaram três vezes mais deslocamentos do que conflitos e violência. Diante disso, é fundamental nos colocamos como autores do antropoceno para colocarmos em prática as ideias de como adiar o fim do mundo, como disse Krenak. Nós somos a natureza.

Edição: Gabriela Amorim