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Pior momento da tragédia será quando a água baixar e acabar a comoção, afirma dirigente do MST no RS

Cedenir Oliveira diz que movimentos populares terão papel essencial para superar crise e mudar rumo da crise climática

Ouça o áudio:

Cozinha MST no assentamento Filhos de Sepé em Viamão, RS - Tiago Giannichini/MST

A tragédia que atinge o Rio Grande do Sul tem impactado, ao menos, cinco assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

São cerca de 420 famílias que perderam suas casas, além da produção de alimentos, que foi comprometida na totalidade. A região é conhecida como expoente no plantio de arroz orgânico, que levou o MST a ter o título de principal produtor do grão na América Latina.

Mas a direção do MST também está preocupada com todas as outras culturas cultivadas. Segundo o dirigente do movimento no Rio Grande do Sul, Cedenir Oliveira, as famílias não poderão atender, por exemplo, ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), programa do governo federal que distribui alimentos saudáveis para a população. 

Segundo Oliveira, são 15 mil famílias impactadas com isso. Além disso, os assentamentos da região comercializam os produtos em 40 feiras orgânicas em Porto Alegre, o que também não será feito e não há previsão de retomada. 

Porém, a principal preocupação do dirigente não é com a situação atual, e sim com o próximo mês, quando a água deve baixar e a “comoção acaba”.

“Na minha avaliação, é o pior momento. Por isso que eu estou dizendo que esse momento ainda tem a comoção, né?”, afirmou em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (9).

“As pessoas que foram impactadas ainda recebem marmita, tem gente levando comida, ainda tem as aeronaves fazendo resgate, você tem os ministros vindo aqui, todo o Estado, todos os dias estão falando sobre a situação. Agora, quando a água baixa, a pessoa volta e a casa não está lá. Essa pra mim então é a principal dificuldade que vai ter o governo.”

O MST está com uma cozinha comunitária montada na região de Viamão. Ela é capaz de distribuir 1.500 marmitas por dia. Segundo Oliveira, o número poderia ser maior, mas há uma dificuldade de distribuição

“Esse foi o caso hoje [quarta-feira, dia 8], nós enviamos 600 marmitas, em Eldorado, e aí chegou lá e… quem é que recebe, quem é que distribui”, explica.

Oliveira cobra que a população do país entenda que é necessário um movimento organizado de solidariedade. Só organizações populares serão capazes de superar a crise

“Só terá condição de atuar nessas situações as organizações, os movimentos organizados, porque o voluntariado é bonito, importante, mas ele acaba sendo insuficiente na medida em que a situação vai se passando.”

Os assentamentos Integração Gaúcho (IRGA), Apolônio de Carvalho e Conquista Nonoaiense ficam em Eldorado do Sul. Já os assentamentos do Sino e Santa Rita de Cássia estão no município de Nova Santa Rita. 

Confira a entrevista na íntegra 

Brasil de Fato: As cozinhas comunitárias estão distribuindo marmitas apenas para os assentamentos atingidos?

Cedenir Oliveira: O nosso foco é atender especificamente aos companheiros que foram atingidos diretamente. Nós num primeiro momento vivemos toda uma organização para que pudéssemos salvar a companheirada que foi atingida diretamente e agora nós temos uma fase de ajuda humanitária, que é atender as necessidades básicas desses companheiros, que vão desde ter lugar com colchão, de ter uma comida.

Nós estamos instalando essa cozinha [solidária] não só para os companheiros que estão lá, também para os demais que integram o município de Eldorado, e também para o povo de São Leopoldo.

Também aqui no nosso município de Viamão já começou a chegar pessoas de Canoas, que também estão em colapso. As igrejas, CTGs [Centro de Tradição Gaúcha] e espaços comunitários começam a atender essa população afetada.

A situação aqui é muito difícil, é um colapso geral, falta de água da alimentação… As próprias autoridades locais já não têm mais condições de atender às necessidades básicas da população e muitos locais já têm outros comandos paralelos que já começam a dominar, são fracções. 

O que estamos vendo aqui, na prática, é a barbárie. 

Recebemos denúncias que grupos armados estão realizando saques na região, inclusive dentro da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap)...

Não só nós, mas é todo o conjunto do que está ocorrendo aqui é onde o Estado não tem força, não tem comando, não tem condição de dar o suporte à tragédia que está colocada.

Evidente que tem que se levar em consideração que o está acontecendo é algo extraordinário, mas o extraordinário também já era dito, sobretudo nós do movimento camponês já temos dito que esse modelo de produção agrícola, de país, de mundo que não respeita o meio ambiente nos levaria a esse colapso

Infelizmente o que era uma elaboração teórica das conversas dos dirigentes políticos, acabou sendo revelado aqui na prática.

E além da tragédia da natureza, também os espaços onde as pessoas não estão, já estão tomados por facções de roubos e é uma outra fase dessa tragédia anunciada. 

Esses saques, essas facções têm atingido os assentamentos, as estruturas do MST na região?

É uma situação da região de Eldorado, não é só uma situação dos assentamentos. É uma situação generalizada. Também está ocorrendo nesses assentamentos. 

Tem impactos diferentes, tem locais onde foi completamente colapsado, que as pessoas perderam tudo. A própria sede da Cootap, que agora agora também começa a ocorrer esse tipo de ação.

Então, pra tu entender, tem regiões na região sul, que ainda não foi atingida pela chuva, mas que o pessoal já começa a não recolher o leite, porque as indústrias pararam. Então é uma cadeia, né? 

As pessoas, às vezes, não foram diretamente atingidas pela chuva, mas o caminhão do leite não está recolhendo o produto, porque a indústria foi impactada.

Provavelmente toda essa tragédia vai afetar a produção do arroz orgânico, que é uma das grandes trunfos, um carro-chefe que a gente tem nessa região do MST?

O arroz é evidente, mas atingiu as hortas, atingiu toda a cadeia alimentar das feiras orgânicas que ocorrem em Porto Alegre, onde nós chegamos em mais de 40 feiras orgânicas. Não vão receber os produtos. 

Os projetos do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] que nós tínhamos para entregar para mais de 15 mil pessoas nas comunidades aqui de Porto Alegre não vão receber porque esses produtos deixaram de existir.

E vai ter que ser plantada de novo. Então, a situação é essa, né? Não é só o impacto imediato.

Porque nós tivemos uma experiência trágica também do que foi a tragédia de Taquari. Eu pessoalmente participei daquela brigada que teve lá. 

Então sabemos que as dificuldades aumentarão quando a água baixar. Enquanto a água está alta, as pessoas estão presentes, o Estado está presente, há uma comoção nacional, os artistas estão fazendo pix, ainda as coisas acontecem. 

Passa a água, o barro grudou e os artistas e os demais voluntários vão continuar sua vida e a tragédia fica.

Sim, por isso que a gente precisa fazer o apoio agora, mas depois que a água baixar, a gente vai precisar continuar conversando, atuando, entendendo a situação, porque vai ser uma segunda tragédia pelo que eu estou entendendo...

Eu, na minha avaliação, é o pior momento.

Por isso que eu estou dizendo que esse momento ainda tem a comoção, né? As pessoas que foram impactadas ainda recebem marmita, tem gente levando comida, ainda tem as aeronaves fazendo resgate, você tem os ministros vindo aqui, todo o Estado, todos os dias estão falando sobre a situação. 

Agora, quando a água baixa, a pessoa volta e a casa não está lá. Essa pra mim então é a principal dificuldade que vai ter o governo.

Só terá condição de atuar nessas situações as organizações, os movimentos organizados, porque o voluntariado é bonito, importante, mas ele acaba sendo insuficiente na medida em que a situação vai passando.

É por isso que nós temos consciência que a nossa cozinha que nós estamos instalando agora não é para um dia, dois dias, né? É para muito tempo.

Dessa forma que nós estamos conversando com a nossa militância, os demais companheiros e companheiras estão aqui ajudando nesse grande desafio. Nosso assentamento está numa região mais alta, então, foi impactado lá na produção, lá nas lavouras, mas as nossas casas, a nossa comunidade permaneceu e a nossa resistência também, a nossa vontade de ajudar por isso que nós estamos aqui. 

Quantas marmitas estão sendo feitas por dia?

Nós estamos fazendo 1.500 por dia, mas nós temos a possibilidade de fazer mais, essa é a nossa vontade. Mas os próprios locais, para que tenha ideia, muitos locais ainda não tem estrutura para distribuir. 

Esse foi o caso hoje [quarta-feira, dia 8], nós enviamos 600 marmitas, em Eldorado, e aí chegou lá e… quem é que recebe, quem é que distribui.

Então nós temos essa meta de chegar a 2 ou 3 mil, mas tem que ter articulação coordenada com a defesa civil, coordenada com o poder público para não ser um negócio descoordenado.

Uma coisa é o voluntariado que você vai, faz e entrega, e aí vai para casa. Outra coisa são ações organizadas, o que nós temos feito aqui.

Estamos abrindo uma cozinha comunitária em Pelotas, nós já temos uma articulação para abrir um outra em Santa Rita, nós temos toda uma articulação com as cozinhas solidárias em Porto Alegre, que são frutos de todo um processo que nós acumulamos durante a pandemia e que também já estão produzindo marmitas.

Na minha opinião é o que vai segurar essa situação, porque, mais uma vez, o que garante em períodos dificuldades são as organizações e ação coletiva.

Ação individual é importante, mas ela é insuficiente pro tamanho das tragédias que nós temos vivendo aqui no Rio Grande, e também revela a impotência das estruturas de Estado que não estão preparadas para o tamanho dos dilemas contemporâneos.

Quem puder contribuir economicamente contribua, mas mais que contribuir economicamente é nós se conectarmos com essa reflexão, com os dilemas que nós temos vivido. 

E o tema ambiental vem para ordem um dia, né? Quem achava que era pauta de ambientalista, de bicho grilo, que não estava no centro da crise do capitalismo, ela nos revela na sua mais perversa e crueldade.


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Edição: Matheus Alves de Almeida