Bahia

Coluna

O modelo mineral baiano na atualidade - Parte 2

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O estado da Bahia tem investido na mineração como atividade de salvação econômica - Foto: Agência Brasil
Os conflitos sociais na mineração são, principalmente, produto das relações desiguais de poder

Lucas Zenha é Doutor em Geografia pelo PPGEO/UFBA; Pesquisador do Grupo de Pesquisa GeografAR/UFBA; Professor na UNIFESSPA.
Valdirene Sousa é Doutoranda em Geografia pelo PPGEO/UFBA; Pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR/UFBA; Professora no IFBA

A mineração, apontada enquanto atividade econômica de salvação do Estado baiano está inserida no contexto de desindustrialização que se intensificou, sobretudo, após o golpe de 2016, agravando a situação de dependência da economia brasileira nas exportações primárias, com destaque para produtos do setor mineral. O avanço dos grandes empreendimentos na Bahia, que geram conflitos e impactos socioambientais/territoriais, está relacionado às disputas materiais e simbólicas por bens da natureza para reprodução social e do capital. Ou seja, trata-se da necessidade de conquistar e manter territórios para controle de recursos, indivíduos e áreas, conforme nos ensinou Sack (1986). Os conflitos sociais na mineração são, principalmente, produto das relações desiguais de poder entre os interesses das corporações mineradoras sobre a terra-subsolo e fundiário-territoriais dos povos rurais e urbanos, destacou Wanderley (2008).

Na Bahia, mais de 244 municípios apresentam atividades extrativas minerais, sendo líder em 22 tipos diferentes de substâncias, tendo um crescimento do setor em quase 7% no ano de 2021 e figurando na terceira posição em arrecadação de CFEM no país. O estado guarda particularidades como ser o único a extrair Vanádio e Urânio, dois minerais estratégicos do ponto de vista industrial, climático e geopolítico. As terras raras e o lítio estão em vias de “descobrimento” e, nessa corrida “verde e sustentável” anunciada midiaticamente, os processos de pesquisa mineral se multiplicam. Porém, na realidade, o que se observa é o alargamento e aprofundamento de injustiças ambientais históricas que pesam sobre a classe trabalhadora, afetada desde diferentes dimensões e atingida por questões climáticas, patriarcais e/ou raciais exacerbadas.  

Essa conjuntura, no âmbito de um estado que disputa a liderança da “produção mineral” no Brasil, vem acompanhada de muitos conflitos. Assim, na Bahia, foram identificados quase 90 municípios com conflitos da mineração em 2021 e 2022. Portanto, grande parte dos “territórios extrativo-mineral” em andamento no território baiano são afetados por algum conflito, seja no campo ou na cidade. Até junho de 2023 registrou-se 665 projetos em curso com situação ativa de “Concessão de Lavra”, adicionando-se mais 40 processos ativos de lavras garimpeiras formais em 2021 e 56 em 2023 (ANM, 2021; 2023). Disputas pela terra, impactos sobre a saúde física e mental de trabalhadores da mineração e da população em geral, degradação dos ecossistemas seja da fauna e flora, questões sobre o uso da água, são algumas das problemáticas decorrentes da chegada de projetos minerários nos lugares. Os impactos sobre os recursos hídricos em determinado território são sentidos também em outros que compartilham de sistemas hídricos integrados, seja uma bacia hidrográfica, um rio, córrego, açude ou aquífero.

A questão da água é primordial, sobretudo, em um contexto onde a maioria das minas de extração mineral está situada em área de semiárido.  Recentemente, no início de 2024, um estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) destaca, pela primeira vez no país, municípios da região Norte da Bahia, com situação concreta de aridez. Assim, os processos de desertificação ficarão mais intensos, sendo essa passagem de semiárido para um clima árido algo relevante e preocupante que demanda medidas drásticas e urgentes. No entanto, nessa mesma região, outra descoberta recente, e que foi amplamente divulgada pelo Estado via CBPM e setor midiático, diz respeito à identificação da chamada Província Metalogenética do Norte da Bahia. Na referida área, foram identificadas regiões com potencial para exploração de minerais como ferro-titânio-vanádio, níquel-cobre-cobalto, fosfato, ferro, ouro, metais base e terras raras.

Mesmo diante deste cenário de contradições e conflitos, os movimentos sociais de luta e resistência continuam a reivindicar a Soberania Popular na Mineração. As resistências e tentativas de “dizer não” e defender “territórios livres da mineração”, “nacionalização de minerais estratégicos”, denúncias contra as injustiças provocadas por esse modelo extrativista e a necessidade de controle e participação popular sobre a renda mineral se espalham pela Bahia, e por todo o Brasil, nessa disputa entre desiguais. “Existe uma ordem sócio-espacial que é estabelecida pelos grupos sociais hegemônicos em uma sociedade. Os movimentos sociais trazem outras ordens possíveis, logo são a expressão de possíveis novas ordens sócio-espaciais”, enfatizou Porto-Gonçalves (2017, s/p).

Portanto, a compreensão do problema mineral demanda o entendimento das frentes e enfrentamentos que se encontram nessas disputas territoriais e têm, em comum, para além da luta pela constituição da Soberania Popular na Mineração, a instituição da Reforma Agrária Popular que tem como base desde o acesso à terra até a sua regularização fundiária. A resistência na Terra, a luta pela Terra e sua reprodução é uma ação política que retrata um enfrentamento de projetos distintos, como tem alertado a Professora Guiomar Germani, entre eles os territórios extrativo-mineral na Bahia. O desafio fundamental é a organização do povo na construção de um projeto de poder com capacidade de decidir os rumos do desenvolvimento político e econômico brasileiro. Tarefa estratégica e que vai exigir muito estudo, preparação, mobilização e o trabalho permanente de fortalecimento da autonomia política da classe trabalhadora brasileira e baiana.
 

Para consultas a respeito de pesquisas sobre mineração e conflitos na Bahia, acesse: https://geografar.ufba.br/mineracao

REFERÊNCIAS

ANTONINO, Lucas Zenha. Territórios Extrativo-Mineral na Bahia: Violações de Direitos e Conflitos nos Territórios Terra-Abrigo. Tese (Doutorado em Geografia). Instituto de Geociências. Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2019.

GERMANI, Guiomar Inez. Condições históricas e sociais que regulam o acesso à terra no espaço agrário brasileiro. In: Geotextos, v.2, n.2, p.115-147, 2006.

MAPBIOMAS. Área ocupada pela mineração no Brasil cresce mais de 6 vezes entre 1985 e 2020. Reportagem. Disponível em: <https://mapbiomas.org/area-ocupada-pela-mineracao-no-brasil-cresce-mais-de-6-vezes-entre-1985-e-2020 2021>. Acesso em 10/10/2021.

MILANEZ, Bruno. Boom ou bolha? A influência do mercado financeiro sobre o preço do minério de ferro no período 2000-2016. Versos - Textos para Discussão PoEMAS, v. 1, n. S2, p. 1-18, 2017.

SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual: natureza, capital e a produção do espaço. Trad. Eduardo de Almeida Navarro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. As Geografias dos Movimentos Sociais na América Latina: Avanços Teóricos. [2017] data provável.

SACK, Robert David. Human territoriality: Its theory and history. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área de Mineração na Amazônia Brasileira. (Mestrado em Geografia) - UFRJ/PPGG, Rio de Janeiro 2008.

 

Edição: Gabriela Amorim