Bahia

Coluna

Comam água, mas bebam água

Imagem de perfil do Colunistaesd
São quilômetros de caminhada, um calor de rachar e uma verdadeira ode, hoje, ao “puro malte” - Joá Souza/GOVBA
Nos circuitos das festas momescas, somos induzidos ao consumo excessivo de tudo

Está dada a largada para o Carnaval. Aqui, em Salvador, o Carnaval já vem junto com o verão, quase sem respirar. Depois do dia dois de fevereiro, nem Iemanjá descansa. É bloco, gente, feijoada, cachorro-quente, churrasquinho, calor, suor e cerveja. Tudo em todo lugar e ao mesmo tempo. No rosto, gliter, batom; nos pés, um sapato confortável para aguentar o tranco; “porta-dólar” para dificultar a vida dos outros; latinha na mão... a ostentação agora é outra.  Aproveitando o clima de mistura. O texto de hoje é um amálgama das minhas palavras e das palavras de Welber Santos, um amigo muito querido e um excelente leitor do Carnaval de Salvador.

Em fevereiro, saem as postagens dos banquetes de final de ano e das roupas elegantes e entram as fotos bagunçadas mais espontâneas [ou reais, talvez], regadas a bebidas, sorrisos e alegrias. Quando falamos da alegria carnavalesca é quase impossível desvinculá-la de uma latinha de cerveja, transbordando, na mão. São quilômetros de caminhada, um calor de rachar e uma verdadeira ode, hoje, ao “puro malte”.

Nos circuitos das festas momescas, somos induzidos ao consumo excessivo de tudo, com grande destaque para a cervejinha. Quase uma versão “silenciosa” daquela propaganda “compre batom”, de antigamente. Instaura-se o exagero! A vida realmente vira de cabeça pra baixo, o que é típico do Carnaval. Como já dizia o antropólogo Roberto da Matta, a rua vira a casa. Sendo a casa, a rua, mergulhamos em uma sensação de poder tudo. Podemos fazer tudo, inclusive não pensar nada. Aproveitando que o Carnaval, de fato, ainda não chegou, trouxemos questões:

Nessa atmosfera de felicidade inebriante e tão desigual no que tange o comércio de comidas e bebidas, qual será o tamanho do lucro que vendedores levam da rua para casa, ao final da festa? De que e como se alimentam os ambulantes que ficam acampados durante a folia? O que dizem os profissionais da saúde sobre os excessos de álcool, frituras e ultraprocessados que parecem reinar na rua e em casa? Que força é essa que induz o indivíduo a consumir quantidades absurdas de cerveja? O que acontece para que haja uma mudança drástica nos gostos alimentares pessoais e coletivos, num espaço tão curto de tempo, entre festas de fim de ano e o Carnaval?

Tais perguntas não precisam de respostas imediatas. O que está a postos, na mesa de Momo, é mesmo o excesso: bebidas, comidas, beijos, abraços, sorrisos, cansaço, músicas de toda natureza possível. Só abro um parêntese para o que Welber destacou como exemplo oposto da demasia carnavalesca: as roupas no corpo. Daí em diante tudo é tudo em demasia. Se indagado fosse a responder a essas questões, Chicó, personagem da obra O Auto da Compadecida, diria: “Não sei, só sei que é assim”.

Edição: Gabriela Amorim