Bahia

Coluna

Nas andanças pelo sertão, há sempre um aconchego

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Fabiana plantando licurizeiros para ass araras-azuis-de-lear na área do Hotel e Restaurante Aconchego - Arquivo pessoal
O fruto principal do Aconchego é o licuri. Mas não um licuri para fins alimentícios dos humanos.

O texto desta semana ainda habita a região do Raso da Catarina. Reitero meu agradecimento à Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, Salvador, e Campus VI, Caetité (BA), e ao convite que recebi do Professor Doutor Elizeu Pinheiro da Cruz (da UNEB) e da Professora Doutora Iara Maria de Almeida Souza (da UFBA), para fazer parte da equipe do "Projeto Caatinga, desenvolvimento, aves e extinções: Uma etnografia de insurgências ecológicas e torno da conservação da arara-azul-de-Lear (Anodorhynchus leari)". O Projeto conta com o apoio da UNEB, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Durante uma semana, os pesquisadores responsáveis e nós, membros do Grupo de Pesquisa Antropologia Corpo e Ambiente (ACA), percorremos quase dez localidades da região do Raso da Catarina. No texto passado, contei um pouco da história e da gastronomia de Maria do Raso. Aqui, vamos sair do povoado de Água Branca e pegaremos a estrada em direção povoado do Juá, pertencente ao município de Paulo Afonso. Vamos conhecer um Hotel e Restaurante, que carrega as cores da arara-azul-de-lear: o Aconchego do Raso. A primeira coisa que senti, quando cheguei ao Aconchego, foi uma curiosidade sobre a história que estava por trás daquele lindo hotel, no meio do sertão. Fabiana Gomes e Abdiel Lima gentilmente me contaram, e eu vou contar um pouco para vocês.

Depois de mais de dez anos vivendo em São Paulo, Abdiel e Fabiana tinham um sonho de retornarem à cidade em que nasceram. Havia o desejo de estarem próximos à família E havia um sonho que Abdiel carregava consigo: o hotel. Depois de anos trabalhando com clientes em bancas de revistas na capital paulista, Abdiel queria estreitar outros tipos de laços, com outros clientes, em um outro lugar. Mas qual seria o momento certo? No ano de 2019, ano marcado pelo início das infecções por Covid-19, Fabiana e Abdiel voltaram para a casa e iniciaram a construção do Aconchego do Raso.

Não seria apenas beleza e organização do hotel que chamaria atenção dos clientes, uma boa cozinha era fundamental. O carinho e a qualidade dos pratos ficaria por conta das mãos e dos conhecimentos de Fabiana. Fabiana cresceu entre o Salgado de Melão e o Juá e aprendeu com sua mãe a alquimia da cozinha de origem, da sua origem. Desde a sua infância, Fabiana entendeu que o plantio e a criação de animais são os melhores ingredientes para uma comida de qualidade. Por conta disso, ela e seu esposo não abriram mão de plantar frutas, de criar galinhas e porcos na área da pousada. Essa forma obtenção dos insumos daria [e deu] a qualidade ímpar do que seria servido no local. Fabiana diz que hoje, a maior parte de seu tempo é dedicada ao cuidado das galinhas maravilhosas que têm no quintal.

Dos tempos de infância, Fabiana lembra, também, do mungunzá salgado de milho crioulo feito por sua mãe; lembra [com a boca cheia d’água] do arroz com licuri que era servido com galinha caipira e do prato que lhe rendeu um prêmio do “Panela de Bairro”: o rubacão. Um pouco diferente daquele feito por sua mãe, o rubacão do Aconchego do Raso, ganhou novos elementos autorais e virou o prato mais pedido. Quando a gente entra no restaurante do hotel, uma das primeiras coisas que vemos é a panela de barro do “Panela de Bairro” em uma prateleira só dela. Um dos frutos do trabalho árduo do casal, desde 2019.

O fruto principal do Aconchego é o licuri. Mas não um licuri para fins alimentícios dos humanos. Os licurizeiros do hotel pertencem única e exclusivamente às araras-azuis-de-lear. O carinho que o casal tem pelas araras, além de serem muito lindas [palavras de Fabiana], tem a ver com a preservação e com a manutenção do meio ambiente e do próprio negócio. A maioria dos hóspedes do hotel está lá para avistar as araras. Abdiel me conta que, desde a infância, a maior tristeza que ele teve foi de ver um pássaro morrer em uma gaiola, e é por isso que ele faz questão de estar atento à proteção das araras-azuis-de-lear.

O Aconchego do Raso é um empreendimento que aponta possibilidades de como negócios podem estar alinhados com questões ambientais e memória. A memória do casal está materializada no cardápio do restaurante do hotel: cuscuz, galinha caipira, ensopado de carneiro, bode, buchada de bode, rubacão, macaxeira frita... Tudo isso acompanhado por uma caipirinha com uma cachaça de altíssima qualidade. Não posso terminar sem deixar de destacar beleza dos jovens licurizeiros espalhados pela área do hotel, futuros aconchegos para araras.

Para maiores informações acessem:
Instagram do Aconchego do Raso: @aconchegodoraso
Instagram do Grupo de Pesquisa Antropologia Corpo e Ambiente: @acauneb

Edição: Gabriela Amorim