Bahia

Coluna

Um cozinheiro esquece seu cérebro dentro da panela

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A comida é uma categoria primária de investigação científica - Fernando Frazão/Ag. Brasil
O acesso a informação sobre a importância da comida para constituição da cultura está maior

Oi, gente! Quem me acompanha por aqui, sabe que o texto passado foi sobre o famigerado pink acarajé. Tive muitos feedbacks sobre o meu texto. Muitos a favor, alguns contra... mas teve uma amiga que me atentou para uma coisa muito relevante. Pensei: Por que cargas d’água eu não me atentei para isso? Cássia, seu olhar expandiu o meu e ainda está me rendendo um texto. Obrigada, Nininha.

Agora é a parte que eu digo o que Cássia falou sobre a empreendedora [usando a linguagem eufemística do neoliberalismo] que pintou o acarajé de rosa, em homenagem a Barbie: “Ela é só uma vítima”. Sim! Como eu, que fui professora de gastronomia por alguns anos, não olhei a história por esse ângulo?

Mire e veja, durante anos a temática da alimentação não foi tomada em seu sentido abrangente que envolve formas de interação sócio/histórica, de expressão simbólica e de ritualização. Comida era um assunto relegado, fazendo menção ao Mestre M. Querino, às “categorias secundárias” da investigação científica. Apesar da sua importância vital para a humanidade, a comida sempre esteve aquém das coisas consideradas “sérias”. E por aí caminhou a humanidade. Comida era bom, somente, para comer e não servia para pensar.

No século XX, estudiosos como Lévi-Strauss começaram a se preocupar com a análise, estrutural ou não, da alimentação. No Brasil, Gilberto Freyre foi dos pioneiros a tratar sobre a temática da comida em sua obra. Na Europa e no Brasil do século XX, tudo que se sabia sobre história, sociologia ou antropologia da alimentação ficava retido no universo acadêmico [não que hoje seja muito diferente]. Por conta disso, tudo que se sabia sobre comida, para além da cozinha, estava fechado em uma panela de marfim.

Em nosso século, a panela de marfim está com a tampa entreaberta. O acesso a informação sobre a importância da comida para constituição da cultura está maior. O vapor está saindo, timidamente, da academia e direcionado, por algoritmos, para aqueles que se interessam pelo tema. Livros têm sido escritos, há faculdades de gastronomia, cursos técnicos em cozinha... mas penso que ainda não é suficiente. Por experiência própria, digo que são raros os modelos de cursos técnicos ou superiores em gastronomia que dão ênfase necessária para a parte histórica e simbólica da cozinha. Para além de fins econômicos, a preocupação é se o aluno sairá do curso cortando cebola sem chorar.

E ficamos assim, produzindo muitas e muitas vítimas que não sabem se apropriar daquilo que são. A comida é fundamental para pensar. A comida é uma categoria primária de investigação científica e deve estar presente em todos os espaços educacionais. Todos, sem exceção. Não podemos mais permitir que cérebros sejam jogados em panelas. “Não se vive do que se come, mas do que se digere” – Brillat-Savarin.

Edição: Gabriela Amorim