Bahia

Benedito Cacique

Primeiro cacique da aldeia Coroa Vermelha partiu deixando legado de resistência ao povo Pataxó

Benedito Cacique lutou por demarcação de terras e acesso a direitos básicos para seu povo

Salvador |
Homenagem da Associação de Jovens Indígenas Pataxó a Benedito Cacique - AJIP

Quando se vai um mais velho, liderança de um povo, ele não morre: se encanta. Benedito Cacique, primeiro cacique da terra indígena Coroa Vermelha, encantou-se no último dia 20. Encantar-se, aqui, quer dizer que ele agora habita o território sagrado dos Encantados e Encantadas e, de lá, olha e cuida dos seus.

“Sábado (20) nós plantamos ele. Quando os nossos morrem, nós não enterramos, nós plantamos. Porque sabemos que ele estará sempre no reino dos Encantados cuidando de cada um de nós”, explica Uhitwe Pataxó, atual vice-cacica de Coroa Vermelha, sobrinha e afilhada de Benedito.

E, nesse momento histórico tão atribulado, com tantos ataques aos direitos dos povos indígenas, esse mais velho que sempre lutou pelos direitos do povo Pataxó e demais povos, certamente estará muito ocupado em cuidar dos que ficaram.

Semente de luta

Benedito Alves do Espírito Santo nasceu em 08 de abril de 1953, na aldeia Barra Velha, a aldeia-mãe do povo Pataxó, no município de Porto Seguro (BA). Em 1980, ele se muda para a aldeia Coroa Vermelha, local em que Pedro Alvarez Cabral e sua tripulação teriam desembarcado em 1500.


Benedito Cacique se encantou no último dia 20. Ele foi o primeiro cacique da aldeia Pataxó Coroa Vermelha / Alexandra Alves dos Santos

Uhitwe conta que, quando seu padrinho chegou a Coroa Vermelha, poucas famílias moravam lá. A retomada desse território, possivelmente, iniciou na década de 1970. “Na época, ele junto com outras lideranças já fazia essa busca por melhorias, como escola e posto de saúde”, diz. Os primeiros prédios que abrigaram escola e posto de saúde foram construídos de tábuas pela própria comunidade.

Alguns anos depois, a comunidade de Coroa Vermelha decidiu que era necessário eleger um cacique que liderasse o povo na luta por direitos. “E ele foi o primeiro cacique de Coroa Vermelha, eleito pelo povo. A partir daí, começou sua trajetória de busca pela demarcação da aldeia Coroa Vermelha”, conta Uhitwe.

A demarcação só viria, de fato, em 1997, quando Benedito já tinha passado o posto ao seu sucessor. “Durante todo o seu período de cacique na comunidade, ele sempre foi muito parceiro, muito companheiro, ouvia a todos, buscava a opinião de todos, liderava junto com todos”, lembra a vice-cacica. Ela afirma que um dos grandes legados de seu padrinho foi justamente seu modo de liderar junto com seu povo.

A incessante luta pelo povo e a conquista da efetivação de direitos à saúde e educação também são legados importantes da atuação de Benedito Cacique, sempre lembrados pelos seus. “Com todo esse conhecimento tradicional, ele trouxe para nossa comunidade escola, posto de saúde e foi fazendo a diferença para as novas gerações. Um legado que todos conhecem e reconhecem”, afirma Uhitwe.

Outra semente lançada por Benedito pontuada por sua sobrinha é a construção da escola. Atualmente, a escola indígena, construída em 2000, está em vias de se tornar um projeto modelo no município. “Infelizmente ele não estará mais aqui junto com todos nós para ver essa semente que ele plantou em 1983”, lamenta.

Uhitwe destaca que a semente plantada por seu tio não germinou apenas em um prédio-escola, mas em toda uma geração de jovens indígenas que tiveram acesso à educação escolar e, por isso, conseguiram se formar médicos, advogados, enfermeiros, professores e tantas outras profissões que estão atuando também de volta na comunidade. “Tudo isso nós devemos a essa garra, a essa luta, tanto de Benedito Cacique, quanto do seu corpo de liderança da época, que fizeram tudo isso acontecer”, defende.

Ela mesma pontua a influência de Benedito Cacique em sua vida liderança atualmente. “Ele era o meu conselheiro. Para eu aceitar o convite para ser vice-cacica, eu tive que pedir esse aconselhamento, para saber o que ele pensava”, conta. E só aceitou depois de receber a bênção do padrinho. Sementes que ele plantou e germinaram. E, agora, Encantado, certamente Benedito Cacique seguirá cuidando.

Conflitos históricos

A aldeia Coroa Vermelha foi uma das tantas áreas de retomadas do povo Pataxó que surgiu após o massacre que ficou conhecido como Fogo de 1951, quando a aldeia-mãe, Barra Velha, foi invadida e incendiada. O ataque foi promovido pela polícia, após receberem falsas denúncias de que um grupo de indígenas teria cometido crimes em Porto Seguro. Todas as casas da comunidade foram queimadas, e muitas famílias decidiram sair da aldeia por medo de sofrer outras violências.

Após muitos anos de luta, o território indígena Coroa Vermelha foi finalmente demarcado em 1997, mas parte do território reivindicado pelos Pataxó ficou de fora da área demarcada. Essas áreas começaram a ser retomadas por volta dos anos 2000, gerando intensos conflitos e tensão com fazendeiros e grileiros da região.

Durante as comemorações dos 500 anos do “descobrimento” do Brasil, em 2000, diversas famílias foram retiradas de Coroa Vermelha para construção de estruturas de turismo, gerando diversos impactos na vida dessas famílias e de toda a comunidade. Em 2003, foi feita a primeira retomada de território. O povo Pataxó reivindica a revisão do perímetro demarcado na terra indígena Coroa Vermelha e anexação dessas áreas de retomada.

Edição: Vivian Virissimo