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Coluna

Cooperação possível entre China e Brasil no século XXI

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Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e presidente da China Xi Jinping - Valter Campanato/Fabio Pozzebom - Agência Brasil
As relações com a China são as mais importantes para a construção de uma arquitetura mundial

O futuro ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou as primeiras agendas internacionais do novo governo Lula. O presidente participará da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribe, na Argentina, em janeiro, e deve viajar aos Estados Unidos e também à China ainda nos três primeiros meses de governo. A relação com a China, no novo governo, deve ser bem pensada, preparada e executada, por ser estratégica para os objetivos nacionais.


O Brasil já vem se movendo desde 2003, com o início do primeiro governo Lula, no sentido de deixar de ter um alinhamento automático ou preferência de relações diplomáticas, econômicas e culturais com os Estados Unidos, para intensificar uma política multilateral, com a busca de aprofundamento das relações entre os países da América do Sul, da América Latina e do Caribe, com a África e com a criação dos BRICS, bloco de países emergentes com papel destacada no sentido da construção de uma nova arquitetura internacional, reunindo o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.


A construção dessa política externa nos governos Lula e Dilma foi interrompida nos governos Temer e Bolsonaro, durante seis anos, entre 2016 e 2022, mas ela agora retorna com mais intensidade e grande expectativa dos atores globais emergentes com a volta do Brasil para o palco dos debates internacionais e da proposição de soluções para os grandes desafios mundiais. O Brasil tem priorizado essas relações, procurado interceder pela paz, pela busca de soluções para conflitos de forma multilateral e agora com foco na emergência climática, na diminuição das desigualdades sociais e na busca de um sistema de saúde global. São objetivos entrelaçados, pois a desigualdade social aumenta com a emergência climática e os mais vulneráveis sofrem com mais gravidade os efeitos dessa emergência, assim como sofrem com as dificuldades na Saúde Pública.


As relações com a China são as mais importantes, em minha opinião, para a construção de uma arquitetura mundial que deve garantir a sobrevivência da espécie humana no planeta, que demanda ações em dez ou vinte anos, antes que haja um ponto de não retorno nas mudanças do meio ambiente e as desigualdades sociais atinjam mais pessoas de forma irreversível. Essa relação entre os dois países é essencial para atingir os objetivos listados da política externa brasileira.


Brasil e China são potências emergentes na economia e prosperam em situação de paz, harmonia e cooperação, diferentemente dos Estados Unidos, que sempre tiveram sua economia impulsionada pelos gastos com guerras e procuraram manter sua hegemonia política com intervenções em outros países e desestabilização de países e regiões. Uma longa lista de golpes, guerras e desestabilizações de regimes promovidos pelos EUA tem, nos últimos 20 anos, os casos das guerras no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e, recentemente, provocaram o conflito na Ucrânia, ao tentarem trazer esse país para a OTAN e instalar armas nucleares na fronteira com a Rússia, precipitando o conflito deliberadamente.


China e Brasil também têm grandes extensões territoriais, recursos naturais e são lideranças em suas regiões. A China tem o projeto do “On Belt One Road” e o Brasil criou a União dos Países da América do Sul (UNASUL) e a CELAC, que reúne a América Latina e o Caribe. A China estabelece relações crescentes com o continente Africano, especialmente com a parte oriental, enquanto que o Brasil, especialmente antes do golpe de 2016 que destituiu a presidente Dilma, intensificou relações com o continente Africano, mais na parte ocidental.


Essas posições tornam os países aliados naturais, pois ambos não têm colônias nem bases militares fora de seus territórios e procuram uma relação de cooperação para o desenvolvimento econômico. Torna-se imperioso integrar os dois projetos econômicos e procurar fazer com que os investimentos chineses e brasileiros sejam com repercussões positivas para os países desse eixo da Nova Rota da Seda, da África e América Latina, com geração de empregos, elevação da renda e do desenvolvimento humano. O desafio conjunto de Brasil e China é garantir um desenvolvimento não colonialista, em que a integração econômica seja sem subalternização e para a criação de uma outra globalização, justa socialmente em todos os países, com respeito ao meio ambiente e fazendo uma transição ecológica nesse processo.


A China e o Brasil têm afinidades em estabelecer uma ordem mundial multilateral, fortalecer as instituições internacionais multilaterais, especialmente as Nações Unidas e promover a paz em todas as partes do globo, restabelecer a estabilidade, pois a situação de caos e instabilidade não é benéfica para os projetos desses dois países e para os países em desenvolvimento.


Os dois países podem e devem assumir a liderança da luta contra a emergência climática, em defesa de uma transição ecológica e, assim, promover grande desenvolvimento econômico em outras bases ambientais, tecnológicas e sociais. Uma mudança na forma de produzir e consumir não é um obstáculo para o desenvolvimento econômico, e sim uma oportunidade. O próprio conceito de “desenvolvimento” deve ser redimensionado e redefinido, para ultrapassar o paradigma capitalista de sempre consumir mais recursos naturais, produzir sempre mais produtos, com ritmo cada vez mais descartável e busca desenfreada pelo lucro às custas da exaustão da Natureza. É possível investir em energias renováveis, como a solar, a eólica, das marés, investir nas pesquisas para tornar viável o hidrogênio verde e, a médio prazo, a fusão nuclear. O investimento em reflorestamento e florestamento, em pesquisas em Biotecnologia, Genética, Medicina e Farmacologia a partir da biodiversidade e sociobiodiversidade são a fronteira da soberania econômica, e a China pode investir com o Brasil nas florestas tropicais nesse sentido, na América do Sul, na África, no Sudeste Asiático e na Indonésia.


Uma nova arquitetura mundial das finanças pode ser outro objetivo de uma grande aliança entre os dois países. Isso é mais fácil para a China que tem um sistema financeiro estatizado e para o Brasil que tem bancos públicos que são os maiores do país. Essa nova arquitetura pode regular os grandes fluxos financeiros, combater os paraísos fiscais e os crimes financeiros de sonegação e do crime organizado internacional. Pode-se assim também estabelecer uma taxação no fluxo de capitais, nas grades fortunas e heranças e se constituir um fundo mundial para viabilizar uma economia de carbono zero, uma transição energética, com investimento na Economia Verde e ser um fundo que desenvolva as regiões mais pobres, gere desenvolvimento humano e proteja essas áreas dos efeitos da emergência climática. São justamente essas áreas mais pobres que menos emitem o carbono responsável pelo efeito estufa, mas são as que mais sofrem com os efeitos dessas mudanças.


Mas há outros campos igualmente importantes. Não se pode menosprezar as possibilidades de integração acadêmica entre os sistemas de ensino, uma integração pelo intercâmbio cultural e um investimento em Economia Criativa e da Cultura. Não se pode pensar em mudar a arquitetura mundial se não mudarmos os fluxos de estudantes, professores, pesquisadores e da produção científica e tecnológica. Um mundo mais diverso e com vários centros de produção científica, cultural e tecnológica é um mundo mais rico do ponto de vista cultural, humano e econômico.


Por outro lado, a Economia da Cultura é uma possibilidade de crescimento social e inclusão produtiva com atividades que podem contribuir para uma transição ecológica e, ao mesmo tempo, contribuir com uma cultura mundial mais solidária, mais diversa, mais respeitadora das diferenças e com estímulos às trocas culturais. Os Estados Unidos sempre entenderem o caráter estratégico dessa dimensão e sempre investiram em sua indústria cultural. Essa indústria gera milhões de empregos em seu país, divulga sua política e sua forma de ver o mundo e estimula o consumo de seus produtos, que se acoplam à sua cultura.


Uma indústria cultural que não seja instrumentalizada para uma visão imperialista é importante, e a criação de laços e parcerias entre China e Brasil pode ser benéfico para ambos, economicamente, culturalmente, no turismo, na integração dos povos e no crescimento da humanidade como um todo em sua diversidade.


Uma questão de segurança que interessa tanto ao Brasil quanto à China são as plataformas digitais globais, sendo que a China já tem, de forma mais consolidada, uma proteção constituída. As plataformas digitais usam a Ciência dos Dados para fazer uma “mineração” dos dados pessoais de milhões ou bilhões de pessoas com impacto nos países ocidentais, desestabilizando governos, estimulando políticas de ódio, manipulando grandes parcelas da população com objetivos mercadológicos e políticos. O golpe no Brasil em 2016, a eleição de Bolsonaro em 2018 também no Brasil, o Brexit que tirou a Inglaterra da União Europeia e a eleição de Trump nos EUA são exemplos como essas plataformas e redes sociais não devem ser deixadas sem regulação, apenas controladas por interesses privados e escusos. Uma cooperação entre os dois países nessa área de tecnologia da informação é essencial se queremos construir um mundo mais seguro e harmonioso.


Essas são algumas possibilidades de cooperação, sendo que as mesmas se interconectam e podem caminhar juntas. A cooperação ecológica pode gerar inclusão social; assim como a parceria cultural pode proporcionar maior integração política; a integração dos projetos econômicos regionais cria a base para uma nova geopolítica com lastro na paz, na cooperação e com um sistema de controle dos fluxos financeiros e criação de fundos de desenvolvimento.

*Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim