Bahia

Entrevista

"Não é possível construir uma sociedade inclusiva sem uma educação inclusiva", diz pedagoga

Sidenise Estrelado analisa desafios para um ambiente escolar diverso e papéis do estado e sociedade nessa construção

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Sidenise atua no Centro de Educação Especial da Bahia - CEEBA e tem mais de 32 anos de experiência com educação - Arquivo pessoal

Que futuro nós queremos para o Brasil? Para que um país siga em um bom caminho é preciso olhar com atenção e respeito para as nossas crianças e jovens. Se a pandemia da covid-19 agravou as desigualdades, impactando na presença e na continuidade dos estudos da grande maioria dos estudantes, uma educação inclusiva encontra na sua prática ainda mais entraves. Esta agenda de luta se esbarra em muitos impedimentos. Como garantir que a juventude acesse o direito amplo à educação? Como fortalecer a sala de aula como um lugar que promova aprendizagens sem distinções e que eduque para o bom convívio das diferenças?

Essas e outras questões foram postas na mesa e quem contribui com esse debate é a pedagoga e mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia, Sidenise Estrelado. Com mais de 32 anos de atuação na educação pública, como docente, coordenadora e gestora, Sidenise também acumula a experiência de 15 anos de ensino na rede privada e é integrante do Grupo de Pesquisa Inclusão e Sociedade, da UNEB. O nosso bate-papo de hoje é com essa defensora dos direitos à educação e ao acesso do ensino inclusivo.

Brasil de Fato Bahia: Estamos diante de uma crise urgente na educação. Mais de dois anos de pandemia acentuaram ainda mais a exclusão de milhares de crianças e adolescentes da sala de aula. Jovens que se afastaram do direito de aprender. Hoje, que balanço é possível fazer sobre evasão escolar e que correlação existe entre essa realidade e a redução do orçamento para educação?

Sidenise Estrelado: Na perspectiva brasileira já existia uma significativa exclusão escolar. Parte das crianças antes mesmo da pandemia constava só nos primeiros anos de escolarização. Além de haver uma crescente distância entre a oferta escolar e as condições de acesso escolar, permanência e conclusão na idade certa. Durante a pandemia, tivemos redução histórica através do Ministério da Educação e Cultura do orçamento para educação da década. Redução de proporção nunca vista antes. Como resultado, obviamente, temos um cenário em plena pandemia de estudantes fora da escola decorrentes de um processo de má gestão desses recursos no sistema educacional. Escolas sem a mínima infraestrutura, sem conectividade, sem equipamentos tecnológicos e, principalmente, causando esse aumento de evasão escolar. Todas essas fragilidades existentes, sobretudo no que tange a redução do orçamento, influenciaram efetivamente na elevação dos índices de evasão escolar.   

A escola é um ecossistema social. É dentro deste espaço que se iniciam as aprendizagens não só de conteúdos didáticos, dos livros, mas de vida. É papel da educação formar os cidadãos de amanhã. Por isso, é necessário a gente pensar não só no país, mas em qual humanidade nós queremos que habite o Brasil do futuro. Qual a importância da educação inclusiva nas escolas? O que se acrescenta a sala de aula ao contemplar a inclusão?

É claro que não é possível a construção de uma sociedade inclusiva sem as contribuições de uma educação – verdadeiramente – inclusiva. Nesse sentido, a importância de uma educação de natureza inclusiva é aquela que se preocupa com as transformações sociais considerando todas as diferenças individuais em qualquer instituição de ensino e em também todos os níveis de ensino. Isso significa assegurar o direito de aprender de todos os estudantes, de todas as estudantes independente das origens, da classe social, etnia, deficiência, raça ou gênero e que também todos eles, todas elas possam ter igual acesso à educação e aos serviços educacionais, além de oportunizar a convivência com a diversidade. 

Muita gente confunde educação inclusiva com educação especial. Qual a diferença?

A ideia central da educação inclusiva é valorizar a diversidade, a partir do reconhecimento das diferenças e da convivência entre estudantes em uma escola comum a todas as pessoas, de forma respeitosa no contexto escolar, garantindo a universalização dos direitos educacionais e sociais. Ademais, a educação inclusiva significa oferecer o mesmo espaço de aprendizagem e de desenvolvimento global para todos os indivíduos, independentemente de suas características, condições, limitações e particularidades. Com a educação inclusiva, os estudantes e as estudantes ganham a oportunidade de aprender, interagir e de experimentar a vida em comunidade. 

Já a educação especial se opõe à lógica da educação inclusiva, sobretudo porque desenvolve serviços educacionais, embora de grande relevância, mas que são específicos para estudantes com deficiência, transtorno do espectro do autismo e outras habilidades de superdotação, em ambientes para essas finalidades. A proposta pedagógica em uma educação especial não contempla a convivência com a diversidade e, principalmente, não apresenta um processo de aprendizagem. 

No Brasil, em 2008, a implantação da política de educação especial na perspectiva inclusiva, a educação especial passa a ter caráter transversal e não substitutivo em todos os níveis do ensino e modalidades da educação, oferecendo atendimento educacional especializado. No caso da lei brasileira de 2015, ela já amplia essa oferta de educação inclusiva. Ela amplia essa transversalidade, inclusive trazendo a perspectiva da educação ao longo da vida. 

Você atua no Centro de Educação Especial da Bahia - CEEBA  que tem como compromisso estar presente no dia a dia das instituições e de pessoas engajadas com a melhoria da educação básica do Brasil. Pode nos falar um pouco mais sobre este trabalho? Quais os maiores desafios na atuação de vocês?

O Centro de Educação Especial da Bahia é uma unidade da Secretaria de Educação do estado da Bahia, responsável pelo acompanhamento das ações relacionadas às áreas da educação especial e inclusiva conforme os atos normativos vigentes. Especialmente, a partir da publicação da política nacional de educação. 

Nesse sentido, as ações desenvolvidas no CEEBA são atribuídas e distribuídas em quatro núcleos: o Núcleo de atendimento educacional especializado, o Núcleo de atendimento educacional especializado para o trabalho, o Núcleo de acompanhamento, formação e pesquisa e o Núcleo de atenção à família. 

Os desafios dizem respeito a se tornar, efetivamente, uma das instituições públicas de referência estadual que consiga atender as necessidades educacionais específicas para o público-alvo da educação especial. Diversos desafios são enfrentados diariamente, como por exemplo, garantir e tentar manter uma estrutura ou uma infraestrutura mais acessível, que continue realizando sistematicamente o acompanhamento escolar. 

Com o orçamento financeiro muito restrito, gerenciar as ações propostas e executadas é um outro grande desafio, pois ainda não contempla as necessidades de uma instituição tão importante como a nossa. Vale ressaltar que no atendimento educacional especializado (AIEE) as atividades desenvolvidas se diferenciam daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas a escolarização. 

Falamos aqui em incluir e acrescentar - verdadeiramente - diversidades. Uma sala de aula diversa produzirá aprendizagens mais humanizadas. Crianças capazes de olhar com mais empatia para a experiência de vida do outro. Como garantir um pacto, um compromisso de toda sociedade pela educação? Qual deve ser o papel do estado? 

São vários compromissos que devemos assumir socialmente, no sentido de pensar uma educação associada ou correspondendo a uma responsabilidade do papel do estado. Nós podemos pensar na garantia de um maior compromisso pela universalização da educação, pois supõe a participação de todos os setores sociais para investir e contribuir com a construção de uma educação inclusiva que contemple todas as pessoas, com condições de oferecer serviços de qualidade e uma pedagogia de resultados em que estudantes sejam respeitados e tenham assegurados o direito de aprender em todos os níveis da educação. 

E qual deve ser a contribuição de todas as famílias nesse compromisso inclusivo também? 

A família tem uma contribuição muito importante e a sua contribuição tem diversas perspectivas. A participação ativa desses familiares é fundamental na construção de uma sociedade, de fato, inclusiva e democrática. Além disso, conduz as garantias sociais e constitucionais fundamentadas no respeito à diversidade e no educar para autonomia. A contribuição mais efetiva dessa família diz respeito à busca por justiça social através do envolvimento e das ações educacionais. E é claro que uma família, ela é quem primeiro sente toda discriminação e preconceito vivenciado – muitas vezes – dentro do núcleo familiar. 

Edição: Lorena Carneiro