Ceará

Mulheres indígenas

Entrevista| “É importante entender que o movimento indígena vem debatendo a pauta das mulheres”

Marciane Tapeba conversou com o BdF sobre a organização das mulheres indígenas, espiritualidade e luta pelo território

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
A Assembleia veio na perspectiva de fazer a reaproximação e também fortalecer as mulheres indígenas enquanto pessoa e enquanto movimento. - Foto: AMICE

Entre os dias 11 e 13 de agosto, a Articulação das Mulheres Indígenas do Ceará, a AMICE promoveu a VIII Assembleia Estadual das Mulheres Indígenas do Ceará, que foi realizada no povo Tremembé da Terra Barra do Mundaú. O evento reuniu representantes de várias etnias do estado e discutiu sobre a inserção e atuação das mulheres no movimento indígena, as ações desenvolvidas pela AMICE,o  combate à violência e importância da espiritualidade. O Brasil de Fato conversou com Marciane Tapeba, coordenadora da Articulação das Mulheres Indígena do Ceará e integrante da Secretaria executiva do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Ceará para saber sobre como está a organização das mulheres indígenas e quais os próximos passos das lutas defendidas por elas. Confira. 

Qual a importância da realização da Assembleia Estadual das Mulheres Indígenas do Ceará que esse ano chega a sua oitava edição?

Bom, como já foi apresentado, eu faço parte da AMICE, a Articulação das Mulheres Indígenas do Estado do Ceará, a gente esteve assumindo essa responsabilidade desde 2018, estamos no segundo mandato. Eu participo do movimento indígena desde muito cedo, venho de uma militância da juventude indígena e compreendendo esse espaço da mulher indígena que a gente considera importante.

Nós do movimento indígena entendemos o movimento como um coletivo, uma luta comum a todos, mas também temos algumas pautas específicas. No movimento indígena nós temos organização de mulheres indígenas, nós temos organização de juventude, de professores, nós temos nossa organização geral que contempla todos esses segmentos. A AMICE é uma organização que vem desde 2007 atuando nessa articulação com as mulheres e a VIII Assembleia das Mulheres Indígenas do Estado do Ceará como já foi apresentado, que aconteceu no Povo Tremembé da Barra do Mundaú vem nessa perspectiva de fazer esse fechamento das nossas atividades.

A Assembleia foi muito boa, foi muito positiva, um momento de a gente fechar, conversar sobre as atividades que a gente fez in loco. A gente fez algumas caravanas nos territórios, fizemos onze caravanas em cada território, escutando as demandas dessas mulheres, entendendo a importância de conhecer a realidade, quais são as dificuldades, quais são os desafios dessas mulheres, e chegar nessa Assembleia foi muito importante, foi muito espiritual. A gente saiu muito fortalecido.

Tivemos momentos de espiritualidade, tivemos momentos de discutir a nossa atuação política, tivemos momentos de pensar estratégias para esse ano que vem e também estratégia no campo da política partidária. Nós temos uma cacique que é candidata no nosso estado, a Juliana Jenipapo-Kanindé, que tem o apoio de diversos povos. Tem outros povos que tem outros compromissos, mas a nossa intenção é que a gente, de forma histórica, possa ter essa primeira mulher candidata do nosso estado e também que ela possa conseguir alcançar o parlamento e levar a nossa voz.

O que foi debatido durante a Assembleia?

A gente debateu sobre espiritualidade, a gente teve um momento de espiritualidade, a gente teve um momento também para conhecer o território da Barra do Mundaú que é um território muito bonito, que tem litoral, que tem rio, que tem mangue, conhecer a espiritualidade das mulheres, elas têm um grupo no geral formado por mulheres, mas também tem um grupo que elas chamam de Protegidas dos Orixás, que fazem as curas, que fazem as espiritualidades. A gente fez um momento de cura com as mulheres, momento de noite cultural, a gente teve grupos de trabalho que discutiram várias temáticas, quais são os desafios que nós temos pela frente? A gente construiu uma carta política colocando a nossa intenção, a nossa atuação nesse sentido e foi muito positivo.

A gente entendeu que não é o momento de ter uma programação muito extensa ou muito pesada, mas o momento de nos fortalecer, nos acolher e também lutar, porque a luta também é acolhimento, também é fortalecimento de uma com a outra.


A gente falou sobre essas diversas temáticas entendendo a importância de estar resistindo e estar pleiteando essas questões junto ao governo do estado, junto ao Governo Federal . / Foto: AMICE

Você acredita que esse encontro fortalece ainda mais essa união dos povos? Como é que você vê esse processo de união para a luta das pautas?

Sim. Na pandemia foi muito difícil, porque o nosso movimento ele se faz nos encontros, nas atuações, nas mobilizações, nas assembleias, nas idas à Brasília no Acampamento Terra Livre. O movimento se faz disso, e não conseguir se encontrar, se abraçar, se tocar, conversar outras coisas além da luta enfraqueceu um pouco essa luta. Então a Assembleia veio nessa perspectiva de fazer essa reaproximação e também nos fortalecer enquanto pessoa, enquanto movimento.

As assembleias são extremamente importantes. Este ano a gente também fez a Assembleia Estadual dos Povos Indígenas, que aconteceu em Poranga e lá também foram discutidas pautas sobre as mulheres. A gente tem conseguido nas nossas assembleias estaduais, que discutem todos os temas, políticas, saúde, educação e território, também ter um momento para discutir a questão das mulheres, e para a gente isso é muito positivo, isso é muito importante entender que o movimento indígena como um todo, não só aqui no nosso estado, mas também a nível nacional vem discutindo a pauta das mulheres.

E quais foram os encaminhamentos tirados desse encontro?

A gente tem várias pautas que são importantes. A gente discutiu sobre o combate à violência contra mulher, nós temos a Lei Semana Diana Pitaguary, que foi sancionada pelo governo do estado e a gente precisa fortalecer essa questão nos nossos territórios, na educação, principalmente, porque a gente entende esse espaço da escola como um espaço de transformação. A gente discutiu o fortalecimento da nossa organização e também poder pleitear junto ao governo do estado pautas específicas para as mulheres e também estar nesse espaço, ocupar esses espaços. Então a gente vem nessa perspectiva.

Este ano é um ano bem difícil, um ano de eleição. Nós estamos em um governo que é anti-indígena, que diz abertamente ser contra os direitos dos povos indígenas, então a gente entende que é o momento em que precisamos resistir e conseguir passar por essa fase ruim que a gente tem passado durante esses quatro anos, de negação de direitos, de usurpação dos nossos direitos, de morte dos nossos parentes, que tem acontecido em todo lugar, não é só na região norte, no nordeste também a violência tem cada vez mais se intensificado no nosso território.

A gente falou sobre essas diversas temáticas entendendo a importância de estar resistindo e estar pleiteando essas questões junto ao governo do estado, junto ao Governo Federal e estar cada vez mais se fortalecendo.

As mulheres reivindicaram formações também para falar de diversos assuntos, da legislação que nos abarca, que nos assegura ao território. Então a gente falou sobre essas temáticas e entendeu a importância desse empoderamento e desse fortalecimento.

E quais são as principais pautas das mulheres indígenas do estado do Ceará?

Eu acho que a principal pauta é o território. Não podemos fugir dessa questão, dessa pauta, nosso território, nossa mãe terra porque o nosso estado, o estado do Ceará é um estado muito atrasado em relação a demarcação dos territórios.

A gente não tem conseguido avançar nessa questão, e por outro lado, os povos que ainda têm a sua terra preservada enfrentam o desmatamento, enfrentam a especulação imobiliária, enfrentam o progresso desenfreado que não está preocupado com as populações tradicionais.

Acho que a principal bandeira de luta é a bandeira da demarcação dos nossos territórios, porque a partir daí a gente pode ter um bem-viver, pode ter uma segurança alimentar, pode ter a nossa educação, a saúde de qualidade. A luta também com relação a violência que ocorre nos nossos territórios. A gente precisa pensar estratégias de conscientização e de formação.

Como é que a população em geral pode contribuir com as pautas de lutas das mulheres indígenas do Ceará?

Acho que compartilhando nossas redes sociais, acompanhando, contribuindo com as nossas campanhas, dando visibilidade a nossa luta. Também costumo dizer que é muito difícil a gente viver no século XXI e ainda ter pessoas que vem nos perguntar: “e vocês são indígenas? Como vocês vivem?”. Ainda tem esse pensamento muito estereotipado como se a gente não tivesse acesso à internet, às redes sociais, ao celular.

Eu acho que a gente precisa desconstruir essa ideia. E não é mais admitido que a gente precise passar por esse tipo de questionamento. Claro que a gente responde porque a gente entende que é um espaço de construção de conhecimento, mas eu acho que as pessoas precisam ter acesso a essas informações, a essas mobilizações, precisam participar, contribuir e se colocar também no lugar do outro e reconhecer que existe população indígena no nosso estado que tem lutado, que tem se fortalecido cada vez mais a luta pelos seus direitos, pelos territórios. Eu acho que a rede social ela contribui nesse sentido.


Acho que a principal bandeira de luta é a bandeira da demarcação dos nossos territórios, porque a partir daí a gente pode ter um bem-viver. / Foto: AMICE

Gostaria que você explicasse o que é Articulação das Mulheres Indígenas do Ceará.

A AMICE é uma organização de mulheres que luta de forma coletiva. A gente atua hoje com quinze povos e nós temos doze coordenadoras que representam esses povos. A AMICE vem nessa perspectiva de fortalecer o empoderamento e o protagonismo das mulheres indígenas no movimento e também na sociedade como um todo.

A AMICE surgiu em 2007 fruto de uma assembleia das Mulheres Jenipapo-Kanindé que também é uma organização bem antiga das mulheres Jenipapo-Kanindé. Fizeram um encontro das mulheres e chamaram mulheres de outros povos e lá se fortaleceu cada vez mais a ideia de construir uma organização a nível estadual.

Em 2007 ocorreu a assembleia da AMICE que foi no povo Pitaguary, na Munguba, e desde então a AMICE vem se fortalecendo nesse papel. Antes não tinha muita atuação, a AMICE não tinha esse protagonismo que a gente tem hoje e a partir da luta das mulheres essa luta foi processual e hoje a gente tem um protagonismo, uma atuação a nível estadual e nacional, e a gente entende que é importante estar ocupando esses espaços, estarmos empoderando também. Na própria gestão dos nossos projetos a gente tem dois projetos que são executados por nós mesmos, pelas mulheres indígenas. Então a gente vem nessa perspectiva do fortalecimento, do empoderamento da nossa espiritualidade.

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Edição: Camila Garcia