Pernambuco

SÃO JOÃO

Após ameaça de censura a artistas, São João de Caruaru vira palco de bolsonaristas

A visita do presidente Jair Bolsonaro (PL) deve acontecer na noite de maior público

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Cantor gospel Thalles Roberto levou o pré-candidato Anderson Ferreira (PL) ao palco para ser abençoado por público de 25 mil pessoas - Hermes Costa Neto/divulgação

Teve repercussão nacional quando, em maio, foi revelado que a Prefeitura de Caruaru (PE), em seu edital de contratação para as festas de São João, definiu que os artistas não poderiam se manifestar politicamente, sob risco de ficarem sem seus cachês. Acusado de censura pela classe artística, o prefeito Rodrigo Pinheiro (PSDB) recuou e editou as regras. Mas a festa acabou sendo escolhida para ações de pré-candidatos bolsonaristas.

No Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, principal palco do São João de Caruaru, o dia 9 de junho foi reservado para a “Noite Gospel”, com shows de Emerson Augusto, Aline Maciel e Thalles Roberto. E foi no show deste último, diante de um público de 25 mil pessoas, que o pré-candidato ao governo Anderson Ferreira (PL) recebeu no palco uma oração. “O desafio é grande. (...) Agora como igreja levantamos a mão sobre a vida do Anderson Ferreira”, pede o cantor.

Thalles cita passagens bíblicas adicionando os nomes de outros políticos da família Ferreira, como Manoel e André, respectivamente pai e irmão de Anderson, todos filiados ao PL. Manoel é deputado estadual e André federal, ambos candidatos à reeleição este ano. “São três homens na fornalha de fogo: Anderson, André e Manoel”, diz Thalles Roberto.

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Por fim, o cantor coloca o público para gritar “Anderson, nós te abençoamos”. Antes o artista havia apresentado o candidato ao público. “Anderson foi prefeito de Jaboatão dos Guararapes, é meu amigo e tem um desafio gigantesco pela frente. (...) É um homem de Deus, um cara sensacional”, propagandeou.

O cantor vestia uma camisa em alusão ao “Estatuto da Família”, projeto de lei de autoria de Anderson Ferreira quando este foi deputado federal. O PL é vendido como uma “lei para defender a família”, mas, na verdade, restringe a definição legal de “família” apenas aos grupos formados por “homem e/ou mulher e seus descendentes”. Se aprovado o projeto, as famílias formadas por avó e netos ou ainda por casais de pessoas do mesmo sexo perderiam acesso a programas sociais e outros direitos relativos a grupos familiares.

Apesar de estar propagandeando o pré-candidato Anderson Ferreira (PL), a cena no palco não é considerada propaganda eleitoral antecipada. “Claro que temos compreensão que essas subidas no palco são uma forma de fazer campanha. Mas como eles não estão pedindo voto, não caracterizaria campanha antecipada”, afirma a advogada eleitoralista e professora universitária Yanne Teles, em conversa com o Brasil de Fato. “Eles podem aproveitar que a legislação não os impede de subir em palcos de shows. Se eles não pedirem votos, não caracteriza crime eleitoral”, resumiu.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é proibido declarar candidatura antes do período das convenções partidárias (entre o fim de julho e início de agosto), de modo que até lá fica proibido pedir votos de forma explícita ou implícita. “A depender do teor da fala do cantor em direção ao pré-candidato, a Justiça Eleitoral pode sim entender que aquilo caracteriza como campanha ou propaganda antecipada. O pré-candidato estando no palco, mesmo sem falar no microfone, ele está abonando as falas do cantor”, explica Teles.

Objetivamente o cantor Thalles Roberto não pediu voto, mas exaltou qualidades pessoais do futuro candidato. O TSE afirma que é proibido exaltar qualidades de futuros candidatos através de outdoors, mas não menciona eventos com público.

O evento em questão também não se enquadra como “showmício”. “O show foi feito com dinheiro público. O fato de um candidato subir no palco, isso pode ser questionado do ponto de vista ético e moral. Mas não dá para dizer que é um ‘showmício’, porque não foi ele quem promoveu o evento”, diz a jurista. E só se enquadra nessa categoria o show realizado durante o período de campanha, que só tem início em agosto.

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O TSE proíbe a realização de shows com o intuito de promover candidaturas ou pedir votos. A exceção é quando o candidato é artista, como o caso do pré-candidato a senador Gilson Machado (PSC) - neste caso, ele pode se apresentar (desde que não haja transmissão na TV ou rádio), mas em hipótese alguma pode utilizar o palco para pedir votos.

Bolsonaro vai a Caruaru

No próximo dia 23, na principal noite da festa de São João, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vai ao evento (e talvez fique para o 24). Não se sabe se o mandatário vai subir no palco ou ficará apenas nos camarotes. Mas é dado como certo que Bolsonaro será acompanhado de uma horda de políticos aliados. A escolha da data foi estratégica: nesta mesma noite o maior palco do evento receberá a banda Brucelose, do bolsonarista Gilson Machado Neto, ex-ministro do Turismo e agora pré-candidato ao Senado.


Gilson Machado (PSC), ao centro; e Anderson Ferreira (PL), à direita, são candidatos do bolsonarismo / Reprodução

O cachê pago à banda este ano é de R$35 mil, longe de ser exorbitante. Mas o fato de tocar no palco principal e na noite do dia 23, revela que a Brucelose ganhou prestígio junto à Prefeitura de Caruaru. Analisando as quatro últimas festas de São João no município, a banda de Gilson Machado tocou em 2016, numa menos prestigiada noite de segunda-feira. Nas festas de 2017 e 2018, a banda sequer foi contratada. E em 2019, já sob governo Bolsonaro e com Gilson Machado presidindo a Embratur, a Brucelose voltou a tocar no maior São João de Pernambuco, mas ainda assim numa quinta-feira.

Em 2021, ainda como ministro, Machado visitou Caruaru e prometeu liberar R$30 milhões para equipamentos turísticos do município. Em abril deste ano, o prefeito Rodrigo Pinheiro (PSDB) foi a Brasília pedir recursos para o São João. Por parte do Governo do Estado, Paulo Câmara (PSB) enviou R$3,5 milhões para os festejos.

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Em publicação nas redes sociais, Gilson Machado comemora a visita de Bolsonaro pontuando que este será o primeiro São João após o forró ser reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. “É com muito entusiasmo e alegria que experimentamos esse reconhecimento no governo do presidente Bolsonaro”, escreveu.

Já Anderson Ferreira comemorou a visita dizendo que Bolsonaro foi o candidato mais votado de Caruaru em 2018 – na verdade isso ocorreu apenas no 1º turno, quando Bolsonaro teve 65,5 mil votos (41,56%) e Haddad 50,3 mil (31,9%), mas no 2º turno Bolsonaro foi derrotado com 77,5 mil votos (46%) contra 90,8 mil (54%) de Fernando Haddad.

Este ano o São João de Caruaru teve início no dia 4 de junho e segue até 2 de julho. Os festejos contam com shows diversos espalhado por 7 polos. Em algumas semanas, há apresentações apenas aos sábados e domingos, noutras há também em dias de semana. Isso também varia de um polo para outro. A Prefeitura de Caruaru estima que o município receba 3 milhões de visitantes ao longo do mês, movimentando R$250 milhões.


Prefeitura de Caruaru avalia que São João de Caruaru vai movimentar R$250 milhões este ano / Ministério do Turismo

Edição: Elen Carvalho