Bahia

CLASSE TRABALHADORA

Dirigentes de sindicatos baianos refletem sobre os desafios do movimento sindical na atualidade

Com a reestruturação do trabalho no país, categorias vêm sofrendo inúmeros ataques

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Mobilizações junto com movimentos sociais e população em geral também fazem parte da atuação dos sindicatos. - CUT BA/ SINDAE

Próximo à comemoração do 1 de maio, Dia da Trabalhadora e do Trabalhador, refletir sobre o papel dos sindicatos na atualidade torna-se fundamental. A organização dos trabalhadores e das trabalhadoras em sindicatos permitiu que, através da luta e representação de classe, seus direitos fossem garantidos ao longo das últimas décadas no Brasil. Atualmente, o movimento sindical vem sofrendo inúmeros ataques, a partir da reestruturação do trabalho, desindustrialização, e aumento do trabalho informal. Ao mesmo tempo, a pandemia de Covid-19, e a crise sanitária decorrente dela, agravou as crises política, econômica, social e ambiental já em curso nos últimos anos. Com isso, a população sofre as graves consequências destas crises. E não é diferente no mundo do trabalho, porém sindicatos baianos se organizam para enfrentar estes desafios.

Ronalda Barreto Silva, coordenadora da Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB), explica que a situação de carestia, fome, miséria, com queda na renda, desemprego em massa, informalidade e o fenômeno da uberização do trabalho (o trabalho mediado por plataformas tecnológicas), implica em grandes desafios para a organização dos trabalhadores e trabalhadora atualmente. "As reformas tiveram como objetivo enfraquecer o poder de barganha dos trabalhadores e das trabalhadoras, e reduzir o custo do trabalho. Buscando assim ampliar ao máximo a rentabilidade do capital. Para atingir os seus objetivos através dessas reformas, o capital não evitou enfraquecer as democracias, fragilizando as instituições e reduzindo a participação social”, diz Ronalda.

Ela afirma ainda que se trata de um momento difícil, mas que, mesmo assim, a pandemia possibilitou o questionamento do modelo capitalista e da hegemonia neoliberal. “Testemunhamos a desestruturação do mercado de trabalho, a ampliação do mercado informal e a desorganização do mercado formal. O que é agravado pela retirada de direitos, como no nosso caso, docentes das universidades estaduais da Bahia. Então a pandemia trouxe uma nova situação. Expôs os problemas do modelo capitalista neoliberal, que atingiu a economia em todo o planeta”, afirma.

Ronalda ressalta que, neste cenário complexo, o primeiro grande desafio dos sindicatos é o de serem protagonistas, defender os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras frente às mudanças no mundo do trabalho. “Daí a urgente necessidade de repensar a sua própria estrutura sindical, para subsidiar um trabalho coletivo que possa superar o atual contexto e construir uma saída do modelo neoliberal. Um segundo desafio é pensar um novo modelo de desenvolvimento que tenha a vida e a saúde como centrais. No caso da nossa categoria, docentes do ensino superior, é necessário reafirmar a importância da realização de concurso público para que a contratação não se dê de forma precária”, pontua.

Segundo a dirigente, a ADUNEB busca ampliar a sindicalização dos professores e professoras efetivas e também os substitutos, mobilizar a categoria para as ações coletivas, através de formas inovadoras. “Também buscamos ampliar as relações institucionais, estreitar a atuação conjunta entre o movimento sindical e os movimentos sociais e populares. Essa é uma condição para criar uma unidade na luta para reverter a situação do país. Tudo isso impõe que, além de ter que pensar uma nova arquitetura sindical, é preciso realizar campanhas de valorização dos sindicatos”, observa.

Além disso, a formação política dos trabalhadores é um ponto importante para Ronalda. “Eu falo formação em sentido amplo. Também a formação sistematizada, mas a formação tanto que se dá em sala de aula, como no cotidiano do trabalho, nas manifestações, nas formas de reação dos trabalhadores e trabalhadoras. Isso para que possibilite o entendimento das questões que estão sendo enfrentadas”, explica.

Grigório Rocha, coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (SINDAE), diz que além das lutas pelos acordos coletivos realizadas anualmente, tem um desafio maior pelo fato do sindicato representar uma categoria dispersa no estado, composta pelos trabalhadores da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A (Embasa), com cerca de 4.500 trabalhadores próprios, três empresas privadas (CETREL, ADAC e a BRK Jaguaribe), uma empresa estadual que é dependente do tesouro, a CERB. - companhia de engenharia rural do estado da Bahia, e os SAAES que são os Sistemas Autônomos de Água e Esgoto, no interior do estado que são autarquias municipais; além da Embasa que é a empresa municipal de Itabuna.

O coordenador relata que o sindicato lida com situações muito diferentes nas negociações. “As que são empresas, a gente negocia acordo coletivo. Mas cada uma tem uma condição econômica diferente, do ponto de vista das condições de avançar nas conquistas da categoria, do ponto de vista econômico, das condições de trabalho. E aí a gente precisa fazer um trabalho diferenciado para cada empresa dessa. É um grande desafio exatamente dar essas respostas a essa complexidade que é essa essa diversidade de empresas de naturezas jurídicas e de diferentes organizações de trabalhadores que são de vários municípios", conta.

Grigório destaca que o maior desafio da categoria atualmente é o enfrentamento da privatização da água e do saneamento. “A gente vive um surto privatista desde o golpe de 2016. Na verdade, já tem bastante tempo que a gente tem lutado, mas, a partir do golpe, a coisa piorou bastante, porque o governo federal aprovou uma legislação que incentiva a privatização, que é a Lei 14026. E a partir daí a gente tem enfrentado muita disputas nos municípios, porque vários prefeitos têm tido iniciativas privatistas, e também o próprio governo da Bahia tem alguma iniciativa de fazer parcerias público-privadas (PPP)", destaca.

O dirigente explica que a privatização representa o risco do aumento exponencial das tarifas para a população, queda na qualidade nos serviços e inclusive desemprego para os trabalhadores da categoria. “Quando uma empresa privada dessa assume, elas são em sua maioria do capital internacional, normalmente demite todos os trabalhadores colocam a turma deles e essa turma normalmente é muito arredia ao movimento sindical. Então realmente é um desafio muito grande fazer esse debate com a população e mostrar o quanto a iniciativa privada no setor de saneamento é ineficiente, só visa o lucro e não não visa a água e o saneamento como direito humano essencial. A gente tem buscado trabalhar para defender a água e o saneamento como direitos da população”, reitera.

Como os sindicatos estão se organizando para enfrentar os desafios

Do ponto de vista da campanha salarial, o Sindae realiza o colegiado, que é um evento político e formativo que prepara os negociadores. “A gente levanta as condições econômicas e contábeis de cada empresa, faz um mapeamento de como está a situação de cada cidade, quais são os desafios que tem, como é que estão as contas, quais são os entes que a gente pode contar para poder nos ajudar no processo de negociação com as empresas e a gente tem conseguido um bom êxito. Precisamos ter ideia da complexidade, às vezes fechar um acordo depende muito da mobilização da categoria, mas em outras situações, como podemos ver pelas autarquias no SAAES, a gente precisa também passar os acordos na Câmara de Vereadores”, diz Grigório.

De acordo com ele, o que diz respeito à privatização, o Sindae tem feito trabalho em diferentes frentes. “A gente se prepara muito, lê muito sobre essas questões legais, em especial, então a gente faz o trabalho de construção política com as entidades da sociedade civil organizada, partidos políticos, parlamentares e fazemos o combate tanto nas câmaras de vereadores, na Assembleia Legislativa da Bahia, quanto no plano federal, tem alguns deputados que nos auxiliam nos debates na Câmara Federal. E também tem uma parte jurídica, alguns escritórios na área jurídica que trabalham conosco, especializados, então aí nessa parte mesmo do saneamento tem um pessoal que trabalha com a gente que faz as ações, tanto na justiça quanto no Ministério Público, quanto em outros âmbitos, de administrativo para poder tentar barrar as privatizações”, afirma.

O sindicato ainda atua na mobilização da população e na participação em conselhos. “Fazemos passar carro de som, panfleto, damos entrevista em rádio, colocamos spot em rádio, fazemos mobilização para poder fazer a população lutar contra a privatização porque são esses que vão se prejudicar. A gente tem feito esse trabalho de mobilização social muito fortemente, mas, ao mesmo tempo, a gente tem atuado muito na parte jurídica, com parte dos advogados e também na parte das instância deliberativas. Então é muita coisa, é um trabalho bastante complexo, mas a gente está aí pra tentar dar consequência a todas essas lutas”, conclui.

Já Ronalda compartilha que a ADUNEB tem se preparado para lidar com os desafios ampliando o leque de articulações do sindicato com outros sindicatos, centrais sindicais e movimentos sociais e populares: “Em paralelo estamos realizando análises sobre as políticas implementadas, estudo sobre o perfil categoria, e isso na compreensão de que são fundamentais as análises para organizar a reação. E também para possibilitar o diálogo tanto com a categoria para esclarecimentos da situação e das questões a serem enfrentadas, bem como para fortalecer o vínculo dos filiados com o sindicato”.

A ADUNEB está elaborando uma campanha de filiação e foram realizadas ações de aproximação com a valorização do trabalho docente. “Nós fizemos uma campanha denominada ‘Professores e Professoras na linha de frente’. Na linha de frente do ensino, na linha de frente da pesquisa, na linha de frente da extensão, na linha de frente do combate ao covid”, afirma Ronalda. O sindicato também está reivindicando o restabelecimento da mesa de negociação permanente, que foi uma conquista da greve da categoria.

Outra ação importante é a proximidade com o cotidiano de trabalho. “Então no momento estamos acompanhando as adequações das instalações físicas da universidade, para garantir a segurança sanitária na retomada do ensino presencial, e desde o início da pandemia nós promovemos inúmeras reuniões do projeto que denominamos a ‘ADUNEB em casa’ por meio virtual, então dialogamos com a categoria nos diversos departamentos da UNEB, ouvimos as dificuldades gerais e específicas de cada campus, e buscamos a solução para os problemas oriundos do período pandêmico. Então são ações que nós estamos desenvolvendo, que estão em processo e que busca reafirmar, fortalecer o vínculo dos filiados com a ADUNEB. E ao tempo em que defendemos os direitos’, conclui Ronalda.

Edição: Elen Carvalho