Rio Grande do Sul

VULNERABILIDADE

Povos indígenas do RS sofrem com insegurança alimentar e desassistência, aponta relatório

Documento produzido pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas foi entregue a comissão da Assembleia Legislativa do RS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Comissão de Cidadania e Direitos Humanos recebeu o relatório do Grupo de Trabalho sobre Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no RS - Foto: Celso Bender / Agência ALRS

O aumento da fome e a desassistência em saúde, educação e habitação às etnias indígenas guarani, kaingang, xokleng e charrua do estado são alguns dos problemas levantados no relatório do grupo de trabalho sobre implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no RS. O documento foi entregue, nesta quarta-feira (13), à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do RS.

O levantamento apurou a necessidade de demarcação de terras no estado. Também a vulnerabilidade alimentar durante a pandemia e nos meses subsequentes dessas etnias, tanto pelo recuo das ações governamentais quanto pela fragilidade das políticas públicas voltadas para esse grupo humano, evidenciando a necessidade de ampliação da distribuição de cestas básicas é uma das medidas mais urgentes. No início da pandemia, em 2020, o tema foi debatido em audiência pública da CCDH, com o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI), quando foi indicada a realização do diagnóstico.

O documento foi constituído por integrantes de 9 secretárias estaduais, além da Procuradoria Geral do Estado, Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI); Fundação Gaúcha do Trabalho, UFRGS, Funai; Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai); CCDH; Federação das Associações dos Municípios do RS e Emater/RS-Ascar.

Entre os principais apontamentos do relatório está a destinação de R$ 27 milhões este ano para a compra de cestas básicas para as 7.500 famílias das aldeias que estão em situação de fome e insegurança alimentar. Portaria da secretaria da Saúde assegura o repasse desse valor aos municípios, para a compra de suplementação alimentar. Também sugere a complementação do valor da alimentação escolar aos indígenas, cujo valor no orçamento da Secretaria da Educação é de R$ 0,50 centavos por estudante e o relatório propõe que seja ampliado para R$ 2,50.

“São ações emergenciais, uma vez que a fome é o principal problema que assola as aldeias indígenas”, destacou Joana Bassi, da secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. Ela alertou que a fome e a insegurança alimentar dos indígenas foi enfrentada no período da pandemia e deverá persistir nos próximos meses.

Conforme explicou Agda Ikuta, da secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e conselheira do CEPI, o relatório indica ainda a necessidade de enfrentar os problemas de autossustento, produção ilegal de produtos transgênicos nas terras indígenas ou parcerias com terceiros, e a construção de meios para ampliar e assegurar orçamento estadual para as ações existentes. De concreto, com o desmantelamento do órgão específico para os indígenas na secretaria, resultou a destinação de dois técnicos da Emater que atendem as comunidades e suas especificidades alimentares. Uma das ponderações do relatório é quanto ao resgate da alimentação tradicional dessas comunidades nas cestas básicas distribuídas pelo governo.

Autor da audiência pública que em 2020 debateu o desamparo das comunidades indígenas no período da pandemia, o deputado Jeferson Fernandes (PT) destacou os resultados do relatório que apontam a ausência da União no cumprimento de atenção mínima aos povos originários em seus territórios. Em especial a Funai, considerando “inadmissível” a desatenção dos entes federais aos indígenas. Ele sugeriu o encaminhamento do documento ao governador Ranolfo Vieira Júnior (PSDB) e também aos pré-candidatos ao governo do estado, uma vez que o relatório apurou com precisão a situação estrutural das quatro etnias que vivem no RS.

Durante a exposição, realizada de forma presencial na Sala da Convergência, no Palácio Farroupilha, e também em formato virtual, manifestaram-se agentes públicos que participaram da elaboração do referido documento. Um deles foi o cacique Cláudio Acosta, coordenador da etnia Guarani no CEPI, que destacou a metodologia utilizada para apurar a situação das 52 comunidades.

Ele indicou urgências também nas habitações e nas escolas indígenas, muitas delas desaparelhadas e sem acesso à internet, ferramenta que permitirá também a participação dos conselheiros das aldeias nas reuniões do CEPI. Sem recursos públicos, muitos caciques e cacicas têm que dispor de seus próprios meios para os deslocamentos até a capital, para as reuniões. Muitos vendem artesanato ou ramos de chá nas proximidades das aldeias para custear esses deslocamentos, tal o desamparo governamental em que se encontram.

Lucas Wegner Medronha, da secretaria de Igualdade, Cidadania e Direitos Humanos e Assistência Social, e conselheiro do CEPI, identificou “aumento da fome, dificuldade de produção de alimentos nas aldeias e não acesso das famílias aos programas de proteção social, saúde e vigilância sanitária, contaminação e morte nas aldeias”. Além de outros problemas como a falta de profissionais de saúde durante a pandemia, dificuldade de comunicação para as aulas online para o ensino regular e também depois da pandemia, uma vez que muitas crianças indígenas continuam sem aulas.

No dia 25, às 14h30, haverá reunião do CEPI com a Secretaria de Igualdade, Direitos Humanos e Assistência Social para encaminhar relatório ao governo.

A cacica Cullung Veitchá Teie, coordenadora da etnia Xokleng no CEPI, referiu o direito ancestral aos territórios que reivindicam em parque localizado no município de São Francisco de Paula, onde estão acampados há dois anos ao longo da rodovia, aguardando decisão do governo federal e do ICMBIO, que administra o local. Relatou dificuldades dramáticas no frio, na falta de escola para as crianças e de atendimento de saúde apropriado à sua comunidade.

Cullung falou também da manipulação praticada pelos brancos junto aos indígenas, para acessar seus territórios, promover conflitos e mortes dentro das aldeias. Como representante da aldeia, pediu que a energia elétrica da escola seja ativada para garantir a educação bilíngue aos 15 curumins, que perderam aulas no ano passado e seguem aguardando o direito ao acesso à educação. Também pediu atenção à saúde das mulheres, das gestantes e criança que aguardava medicação especial, situação que só foi contornada por ação do Ministério Público Federal. E convidou para a festa do Dia do Índio, no dia 30 de abril, quando ocorrerá o ritual de batismo das crianças e a inauguração da escola indígena. Ao encerrar, comentou que os parentes, em Brasília, estão mobilizados para assegurar a demarcação das terras indígenas.

Também se manifestaram outros caciques, como Miguel, João Batista e Gabriel Nascimento, da aldeia da Serrinha; e André Benitez, de Maquiné. A vice-presidente da comissão, deputada Sofia Cavedon (PT), que encaminhou a reunião, recomendou a participação das comunidades na audiência pública da próxima segunda-feira (18), da Comissão de Educação, para tratar das escolas indígenas. E também no dia 27, quando a CCDH vai ouvir o secretário da Justiça do RS. 

* Com informações da Agência de Notícias da ALRS


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Edição: Marcelo Ferreira