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Indigenistas baianos comentam determinação da FUNAI que desprotege terras indígenas

A nova norma exclui terras não homologadas dos planos de proteção territorial

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Placa de demarcação crivada de balas na Terra Indígena Uru Eu Wau Wau em Rondônia - Greenpeace

Desde de dezembro de 2021, através de ofício circular publicado no Diário Oficial da União no dia 29/12/21, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) determinou uma nova norma orientando sobre a proteção às terras indígenas. Conforme a medida, tais ações são restritas às terras indígenas homologadas pela Presidência da República, que já passaram pelo processo demarcatório. O ofício foi expedido pelo coordenador de Monitoramento Territorial da FUNAI, Alcir Amaral Teixeira, após uma consulta da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) à Procuradoria Especializada do órgão indigenista.

Além de excluir as terras indígenas não homologadas dos planos de proteção territorial, o ofício determina que informações sobre crimes ambientais em terras indígenas não homologadas que cheguem ao conhecimento das Coordenações Regionais da FUNAI “devem ser formalmente encaminhadas aos órgãos competentes”, como Polícia Federal, IBAMA e secretarias estaduais do meio ambiente.

Segundo o Instituto SocioAmbiental (ISA), isso significa que a determinação da FUNAI deixa sem proteção 1/3 dos territórios indígenas brasileiros, ou seja, 239 das 726 terras indígenas que ainda não foram homologadas, onde estão os povos mais vulneráveis, denominados “isolados”. Entidades do movimento indígena como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciam que as terras não demarcadas são as que mais sofrem ataques de empresas e grileiros, onde se concentram os conflitos que geram mortes e invasões para a exploração ilegal de recursos naturais.

Através de nota técnica sobre o assunto, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) critica o ato, “que  afronta a Constituição Federal e as leis que tratam da matéria, vulnerabilizando ainda mais os povos indígenas que sofrem cotidianamente com a invasão e destruição de seus territórios”.

O BdF Bahia ouviu com exclusividade a opinião de  dois indigenistas baianos sobre a normativa da FUNAI. Eduardo Almeida, agricultor e ex presidente da FUNAI adverte: “Absurdo esse posicionamento da FUNAI.  Claramente genocida.  O direito dos povos indígenas a suas terras e à proteção do Estado independem de demarcação formal, está na Constituição. Ao invés de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar a integridade física dessas populações, retirando invasores de todo tipo dessas áreas, o governo Bolsonaro reafirma, sem cerimônias, seu desejo genocida.  Mais um caso de desrespeito solene à legislação brasileira. É necessário que o Supremo Tribunal e o Ministério Público Federal se pronunciem com urgência sobre a denúncia da APIB.  Há vidas e grupos inteiros em grave risco, sobretudo povos isolados, e sabemos das crescentes e recorrentes invasões criminosas de vários desses territórios indígenas por garimpo, fazendas, grileiros, madeireiros e outros agentes.”

Maria do Rosário Gonçalves de Carvalho, que é  antropóloga e  professora da Universidade Federal da Bahia  (UFBA ), observa: “O artigo 231 da Constituição Federal prescreve que as Terras Indígenas (TIs) são aquelas pelos Índios habitadas em caráter permanente e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Nessa condição, elas são bens da União cuja posse - permanente - e o usufruto exclusivo são reconhecidos aos Índios. Por força constitucional, o poder público deve promover tal reconhecimento mediante a demarcação física das referidas TIs. Restringir as ações de proteção exclusivamente às TIs homologadas constitui flagrante violação aos preceitos constitucionais e uma grave ameaça à integridade física e sociocultural dos povos indígenas. O que motiva tal normativa espúria? Aparentemente, o propósito de estimular a invasão das TIs. Vale lembrar ainda que as disposições transitórias da Constituição Federal fixaram em cinco anos o prazo para a demarcação das TIs. Transcorridos 34 anos do não cumprimento do prazo, a FUNAI, ao invés de reconhecer a sua incúria, sente-se irresponsavelmente à vontade para se desobrigar do seu dever constitucional de proteger as Terras Indígenas que não demarcou ou cujo processo demarcatório não finalizou. Ao assim proceder, nega a devida assistência aos povos indígenas e expõe à cobiça Terras que são bens da União. Isso parece querer dizer que a FUNAI está incorrendo em crime por motivação e determinação da própria União”.

Edição: Elen Carvalho