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Desigualdade e sustentabilidade: os desafios da espécie humana

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"Os 10 por cento das pessoas mais ricas foram responsáveis ​​por mais da metade (52 por cento) das emissões adicionadas à atmosfera entre 1990 e 2015", diz estudo da Oxfam. - Amigos da Terra Internacional
Não podemos pensar em ter uma economia sustentável sem resolver o problema da desigualdade social.

A Conferência sobre o Clima da ONU, a COP 26, terminou sem grandes avanços no estabelecimento de metas, estratégias e compromissos para garantir a redução da emissão de carbono na atmosfera, com a resistência dos países ricos e dos grupos sociais mais privilegiados em contribuir para reverter ou estancar a destruição ambiental e as mudanças climáticas, e com protestos dos países em desenvolvimento. Estes questionam sobre a maior responsabilidade dos países que mais poluem, mas que exigem mudanças na economia dos emergentes sem a cooperação dos mais ricos para essa transição.

Não é possível ter as duas agendas separadas, a ambiental, da sustentabilidade no planeta e do “Bem Viver”, e a social. É a desigualdade social crescente num sistema econômico predatório, consumista e inviável, o capitalismo, que impede uma transição ecológica, e não podemos pensar em ter uma economia sustentável sem resolver o problema da desigualdade social. A adoção de um novo sistema econômico, social e ambiental, assentado em um outro paradigma, da igualdade social, da busca da inovação tecnológica na economia do conhecimento e da sustentabilidade, é a chave para a sobrevivência da espécie e a justiça social para todos.

Antes da COP 26, a Oxfam, que reúne 19 organizações e mais de 3000 parceiros em mais de 90 países e apresenta estudos e propostas para os problemas da pobreza, da desigualdade e da destruição ambiental, divulgou uma pesquisa que demonstra como a desigualdade social se reflete em níveis diferentes de destruição ambiental. Segundo esse estudo, “Confronting Carbon Inequality”, o 1% mais rico da população mundial é responsável por mais de duas vezes mais poluição de carbono do que os 3,1 bilhões de pessoas que constituíram a metade mais pobre da humanidade. O período analisado foi de 1990 a 2015, de 25 anos, no qual houve crescimento de emissões sem precedentes, quando a humanidade gerou tanto carbono quanto em toda a história anterior desde o início da Revolução Industrial no século XVIII.

O novo estudo é a consolidação de pesquisas conduzidas com o Stockholm Environment Institute e foi divulgado antes da realização da COP 26, e embora tenha consistência científica e relevância social, foi geralmente ignorado pela mídia internacional, talvez por apresentar o problema da destruição ambiental indicando as responsabilidades dos mais ricos, inserindo um contexto de classe social e de poder na questão ambiental, que muitos preferem tocar como uma pauta “neutra” do ponto de vista político e ideológico. Os principais pontos identificados por esse estudo foram:

1) Os 10 por cento das pessoas mais ricas foram responsáveis ​​por mais da metade (52 por cento) das emissões adicionadas à atmosfera entre 1990 e 2015. O um por cento mais rico foi responsável por 15 por cento das emissões durante este período - mais do que todos os cidadãos da UE e mais de o dobro da metade mais pobre da humanidade (7 por cento).

2) Durante esse tempo, os 10 por cento mais ricos explodiram em um terço a nossa global de carbono para manter o aumento da temperatura em 1,5 C, em comparação com apenas quatro por cento para a metade mais pobre da população. A meta de carbono é a quantidade de dióxido de carbono que pode ser adicionada à atmosfera sem fazer com que as temperaturas globais subam acima de 1,5 ° C - a meta estabelecida pelos governos no Acordo de Paris para evitar os piores impactos das mudanças climáticas descontroladas.

03) As emissões anuais aumentaram 60% entre 1990 e 2015. Os 5% mais ricos foram responsáveis ​​por mais de um terço (37%) desse crescimento. O aumento total nas emissões do 1% mais rico foi três vezes maior do que o dos 50% mais pobres.

Isso indica que no modelo econômico que hoje temos, as responsabilidades são distintas no desastre ambiental, logo a contribuição de riqueza para substituir uma economia baseada em carbono em outra de energias renováveis deve vir dos países e pessoas mais ricas. O investimento é muito alto para mudar as fontes de energia, impedir o desmatamento e iniciar um ambicioso programa de reflorestamento, ter uma agricultura sustentável sem agrotóxicos e fertilizantes que destroem rios e mares, mudar a natureza do lixo e o encaminhamento dos resíduos. Mas o custo de não fazer essa mudança é muito maior. No Brasil, a manutenção de um modelo de desmatamento para plantio de soja, criação extensiva de gado, mineração e garimpo já está inviabilizando o próprio negócio agrícola, pela escassez de chuvas provocada pela diminuição da Amazônia, do Pantanal e dos outros biomas, pois essa destruição impacta o regime de chuvas. A crise hídrica também se instala por uma mudança climática dramática provocada pela intervenção antrópica, e o aumento do custo da energia elétrica e a falta de água em várias regiões têm também um custo muito grande para a economia.

No Brasil e no mundo, o custo de não mudar o sistema econômico é muito maior do que fazer uma transição ecológica, econômica e social. Por exemplo, com a elevação dos níveis do mar, muitas cidades ficarão parcialmente ou totalmente destruídas, e a continuidade da produção de lixo em vez de trabalharmos com materiais mais biodegradáveis e com uma economia circular está gerando a morte, a acidificação e o aquecimento dos oceanos, com consequências imprevisíveis. 

Mas para implementar tantas mudanças urgentes e dramáticas em pouco tempo, nos próximos 10 ou 20 anos que serão decisivos para a reversão ou não do quadro de destruição, aquecimento global e esgotamento de recursos vitais como a água, precisamos de um alto investimento. A boa notícia é que os recursos financeiros existem, mas deve-se ter decisão política para usar esses recursos nesse sentido, e a ciência apresenta alternativas muito viáveis para mudar a nossa tecnologia e a forma de produzir e consumir recursos naturais. A taxação de grandes fortunas em âmbito global, a taxação do capital financeiro, que circula no mundo sem controle social algum, e a extinção dos paraísos fiscais são algumas medidas urgentes para se ter recursos para essa transição ecológica e combater o crime organizado que muito se beneficia desse ambiente sem regulação ou controle de capitais.

Essas medidas deverão ser tomadas por uma articulação internacional, deve haver uma concentração de esforços internacionais, mas com firmeza e clareza da necessidade de mudanças, que seja direcionada pelas forças políticas e sociais comprometidas com a igualdade social e a sustentabilidade, de perfil progressista. Essa ação política demandará uma ação em âmbito transnacional e talvez então a humanidade comece a se enxergar como sendo uma mesma sociedade global, da mesma espécie e com os mesmos problemas.

Uma nova sociedade precisa ser construída e será essencial a mobilização dos setores sociais mais pobres, dos explorados, dos que menos provocaram essa destruição e passam por muitas privações. Um modelo de Eco-Socialismo Democrático precisa ser construído pela ampla maioria da humanidade que não tem nada a ganhar com esse modelo atual, especialmente quando se percebe que as mudanças climáticas e a destruição ambiental se abaterão com muito maior violência sobre aqueles. 

O Capitalismo está fadado a sempre inviabilizar a sustentabilidade, porque ele visa à produção em grande quantidade, por um custo sempre pequeno, utilizando muitos recursos e com produtos que sejam descartáveis para permitir a retroalimentação de um consumo inviável. O capitalismo se assenta sobre o pressuposto de permanente crescimento do PIB/da economia, e por crises que ciclicamente provocam a destruição de meios de produção e riquezas para entrar num novo ciclo de expansão, mas o planeta tem um limite e um outro modelo econômico deve ser engendrado visando uma relação de cooperação com o meio ambiente, e isso exclui o aumento exponencial da produção econômica.

Edição: Jamile Araújo