precisamos estancar a devastação das florestas e demais biomas
Em meio aos impasses da Conferência do Clima da ONU (COP 26), que indicam grandes barreiras à construção de uma nova arquitetura geopolítica capaz de garantir a sobrevivência da espécie humana no planeta, a Ciência continua a ser a língua comum, o “esperanto”, que pode dirimir dúvidas e impulsionar mudanças profundas no sistema econômico, político, social, nos padrões de consumo e visando a constituição de uma relação de cooperação entre os seres humanos e a Natureza. A Ciência também indica que apenas com reformas econômicas que promovam a inclusão de toda a humanidade no universo de bem-estar e de proteção à saúde e à vida se poderá ter uma transição ecológica justa. Nesse diálogo é preciso observar que limites do equilíbrio da Natureza estão sendo ultrapassados pelas atividades humanas e quais as alternativas para reverter a situação de catástrofe ambiental já em curso.
O Holoceno, período geológico que proporcionou uma estabilização da temperatura nos últimos 10 ou 12 mil anos, foi o responsável pela emergência de uma civilização humana no planeta. Passamos da situação de caçadores e coletores vivendo em grupos pequenos para construirmos grandes cidades e organizações sociais, a partir da Revolução Agrícola. O Holoceno se iniciou após o último período glacial, e isso permitiu que as estações do ano fossem mais previsíveis, que o nível do mar e o curso dos rios pudessem ter uma estabilização e perenização, e que se acumulassem nas calotas polares do Ártico e da Antártica o gelo suficiente para garantir o atual nível dos mares e a reflexão da luz solar. Essa reflexão devolve 99% da luz solar que incidem nas calotas de gelo para o espaço, de forma a evitar o aprofundamento do efeito estufa e o aquecimento global.
Esse equilíbrio está sendo rompido em diferentes frentes e entre 2020 e 2030 teremos uma transição na qual a humanidade pode construir a saída para o colapso ambiental ou pode tornar esse processo de aquecimento global e de outras agressões ao meio ambiente sem possibilidade de retorno. As diferentes frentes em que o desastre ambiental hoje se alimenta são: 1) o buraco na camada de Ozônio; 2) a acidificação dos mares; 3) o fornecimento de água doce; 4) a poluição do ar com os poluentes/novas entidades, diferente do CO2; 5) O equilíbrio do clima; 6) o desmatamento das florestas e outros biomas essenciais à estabilização do clima e à sustentação da vida; 7) o uso intensivo de nutrientes na agricultura ( fósforo e nitrogênio); 8) a destruição do biodiversidade; 9) a produção de resíduos sólidos.
São aspectos interdependentes, pois o aumento do Carbono na atmosfera, resultado da Revolução Industrial que há 200 anos deu início a um novo ciclo geológico, o Antropoceno, provoca o aumento das temperaturas, que por sua vez desencadeia a acidificação dos oceanos, com a morte dos corais no mundo inteiro. Essa situação provoca o derretimento das calotas polares, os incêndios das florestas e dos demais biomas e a escassez de água doce. Isso impacta a reabsorção do Carbono pelo planeta, pois com menos florestas devastadas pela agricultura e por incêndios mais Carbono deixa de ser reabsorvido e o seu acúmulo na atmosfera se acelera, retroalimentando o aumento das temperaturas. O derretimento das calotas polares faz com que se reflita menos luz e calor para o espaço e a Terra assimila mais energia, contribuindo para o aquecimento global. Caso haja a continuidade da perda de gelo nas calotas (sendo que o Ártico como conhecemos quase não existe mais), da destruição das florestas, e o derretimento do “Permafrost”, ampla região da Sibéria russa que sempre permanece congelada e que retêm uma quantidade imensa de carbono, o aquecimento global não terá mais retorno, e o mundo como o conhecemos não mais existirá, provocando a extinção de toda a espécie ou a destruição da civilização, com instabilidade provocada por falta de alimentos, água doce, espaço para moradia e sobrevivência, empregos. Conflitos por água, alimentos, espaço vital, recursos naturais se tornarão comuns.
Alguns desses limites indicados anteriormente já estão em situação crítica, de quase não retorno ou até mesmo sem retorno aos padrões anteriores, é o caso das mudanças climáticas e do desmatamento. O Brasil tem dado uma contribuição acentuada nesse sentido, ao ter destruído até agora 25% de sua Floresta Amazônica e a maior parte do seu Pantanal, depois de ter reduzido a Mata Atlântica a cerca de 7,3% da cobertura florestal original, mas é uma das mais ricas em espécies endêmicas – ou seja, que só ocorrem ali – em todo o mundo. O Cerrado tem sido substituído pelo agronegócio, provocando degradação ambiental e exaurimento de recursos como a água dos rios. Também a poluição dos mares e do solo por nitrogênio e fósforo dos fertilizantes agrícolas já destruiu amplas partes dos mares, basta lembrar que hoje o Mar Báltico é um mar praticamente morto, sem os peixes e a vida que até 40 anos existia ali. Esse fenômeno se reproduz em várias áreas do globo.
A biodiversidade ao mesmo tempo vem sendo dizimada, e o que poderia ser um potencial de desenvolvimento científico, tecnológico, medicinal, farmacológico e econômico para os países com maior biodiversidade se perde completamente e compromete a sustentação do ecossistema e a nossa própria sobrevivência. A extinção das abelhas em amplas partes do globo, como na Europa, demonstra que a dizimação da biodiversidade pode comprometer a agricultura, pois sem polinizadores não há como ter reprodução vegetal.
Por outro lado, os fenômenos da destruição da camada de Ozônio, da acidificação dos oceanos e do fornecimento de água doce oferecem uma alternativa mais segura de recomposição dos recursos naturais e da volta a uma situação de equilíbrio. São fenômenos preocupantes, mas ainda não chegaram a um ponto de não retorno. E há fenômenos que desconhecemos o impacto, como a poluição do ar por outros gases que não o CO2 e com aerossóis e a produção de resíduos sólidos numa economia da predação e do descarte. Esses merecem igualmente ser cuidados.
Há alternativas para superar essa situação de limiar para a não volta ao equilíbrio do sistema. Globalmente precisamos estancar a devastação das florestas e demais biomas e promover um amplo processo de reflorestamento. O Brasil deve reconstituir seus instrumentos legais e institucionais para proteção dessas regiões, com o objetivo de assumirmos o “desmatamento zero” e o reflorestamento de 25% da Amazônia que foi destruída.
Os combustíveis fósseis devem ser substituídos rapidamente por outras alternativas, como a solar, a eólica, o hidrogênio, que tem sido muito promissor e barato na substituição dos derivados de petróleo e carvão. O custo para manter o modelo atual é imensamente maior do que o de substituí-lo, por exemplo a manutenção do modelo atual de desmatamento da Amazônia e do Pantanal provoca a crise hídrica no Centro Oeste e Sudeste do Brasil. Quanto custa ter racionamento de água, aumento exponencial do custo da energia das usinas hidrelétricas e da destruição da agricultura por falta de chuvas? Com certeza muito maior do que a adoção de um novo paradigma. O estudo dos custos pode nos proporcionar um argumento para se ter políticas pública muito assertivas e fortes. O mercado não está preparado para pensar a longo prazo, ele deve ser direcionado pelos interesses públicos e pelo Estado.
Duas outras medidas podem também promover uma recuperação desse equilíbrio: uma dieta mais vegetariana, sem tanto proteína animal, e uma política de resíduos sólidos que propicie a produção menor desses resíduos, o reuso, a reciclagem, o descarte correto ou a utilização como fonte de energia, com alternativas tecnológicas já existentes.
Edição: Elen Carvalho