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Caminhos para a expansão da Educação Superior no Brasil

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Algumas universidades federais podem não terminar o ano em funcionamento.
Algumas universidades federais podem não terminar o ano em funcionamento. - Gibran Mendes | Fotos Públicas
Deve-se retomar o financiamento das instituições existentes e pensar numa segunda fase de expansão

Os estudos sobre a expansão da Educação Superior Brasileira ganharam relevo especialmente pelo baixo número de estudantes nesse nível de ensino ao longo da História, e pela minoritária participação do setor público nos dias de hoje. Essa última situação de predominância do sistema privado de ensino ocorreu a partir do regime militar (1964-1985) e se estende até o momento atual. Também o acesso e estratégias de permanência de grupos historicamente discriminados nas instituições universitárias aparecem com destaque nos estudos sobre a Educação Superior, fortalecendo o diálogo social sobre políticas afirmativas e a sua implementação enquanto políticas públicas patrocinadas pelo Estado brasileiro.

Apesar da política de expansão, a partir do Programa de Reestruturação das Universidade Federais (REUNI) entre 2007 e 2015, o Censo da Educação Superior de 2019 do Inep-MEC informava que, naquele ano, apenas 21,4% dos jovens de 18 a 24 anos estavam no ensino superior. Entretanto, esse percentual era de apenas 7,1% em 1997. Avançamos muito, mas falta muito a percorrer. A Argentina apresentava, em 2006, um percentual próximo de 40% de jovens na Educação Superior. Venezuela, Uruguai e Costa Rica tinham pouco mais de 30%. O Peru tem um percentual de jovens em suas universidades similar ao do Brasil e, juntamente com o Chile, apresentava 20% de seus jovens no ensino superior. 

Esses dados indicam a necessidade da ampliação da rede de ensino superior pública brasileira, para atender à imensa maioria dos jovens que não têm condições de pagar as mensalidades das faculdades particulares. É necessária a expansão do sistema, para que uma maior proporção da juventude brasileira tenha acesso a esse nível de ensino. Houve uma expansão, mas ainda insuficiente. 

O modelo do ensino superior brasileiro começou e foi caracterizado, a partir de 1808, por faculdades isoladas, dedicadas exclusivamente à formação profissional, voltadas apenas para o ensino, e com um acesso extremamente restrito. Trata-se do modelo francês e português e foi um modelo para a elite, atendendo a um contingente inexpressivo de pessoas, refletindo a sociedade brasileira da época, bastante atrasada, ainda escravocrata, rural, baseada na monocultura e no latifúndio. A nossa Independência sem República acarretou na manutenção da escravidão e da dependência econômica e cultural. Há uma lentidão na criação de faculdades isoladas profissionalizantes durante o século XIX. Apenas em 1934, com a criação da USP passamos a ter um modelo de universidade voltado à pesquisa.

A Reforma Universitária de Córdoba (1918), que recentemente completou 100 anos, se tornou uma referência para definir a identidade da universidade latino-americana baseada nos seguintes princípios, defendidos por amplos setores de movimentos sociais e da comunidade universitária: autonomia universitária, gestão democrática, gratuidade do ensino superior, compromisso social. 

A universidade brasileira, postulando legalmente a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, somente será construída na segunda metade do século XX. A luta para criação de uma verdadeira universidade deve muito ao Movimento da Escola Nova, que tinha à frente Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. No seu Manifesto de 1932 e em suas publicações esses educadores defendiam o paradigma da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como base da nova Universidade e o paradigma Humboldtiano. 

A Reforma Universitária de 1968 no Brasil, etapa de expansão e mudança do regime acadêmico e docente, assimilou muitas proposições da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais. Antes do golpe de 1964, ocorreu uma mobilização social em torno das “reformas de base”, dentre elas a Reforma Universitária, com o ideário da Reforma Universitária de Córdoba (1918) que chegou no Brasil tardiamente, através da União Nacional dos Estudantes – UNE. No início dos anos 1960, com a “Carta de Salvador” em 1961, resultado do 1º Seminário da Reforma Universitária, tivemos a defesa da extinção das cátedras, da criação dos departamentos, da atualização dos currículos, do compromisso social das universidades, da vinculação do ensino com a pesquisa, do aumento das vagas e da ampliação do financiamento.

No regime militar aconteceu a expansão do sistema público, embora bem menor que a expansão do setor privado. O sistema público passou de 61% a 40% do total de vagas na Educação Superior entre 1964 e 1990. Nas universidades, devido à reforma universitária de 1968, as cátedras foram extintas, os departamentos foram consolidados ao lado da implantação dos institutos básicos e centros de áreas e os investimentos em infraestrutura foram fortes. Esse processo expansivo é paralisado a partir da crise do modelo econômico da Ditadura Militar no Brasil, pela hiperinflação, recessão e destruição de políticas públicas a partir de 1982, iniciando uma fase de crises e estagnação do setor público que se estenderia até 2002. 

A partir de 2003, voltamos a reconstituir o financiamento das universidades federais e apresentar um aumento real contínuo do financiamento, e com contrapartidas das IFES no aumento das vagas, criação de cursos noturnos e novas universidades e campi no interior. Essa proposta, consubstanciada pelo REUNI, foi amplamente abraçada pelas IFES, que passaram a presenciar forte ampliação de vagas, de prédios, professores e técnicos e orçamentos, num novo parâmetro do investimento público na Educação Superior. Entre 2003 e 2014 foram criadas 18 novas universidades federais, as universidades federais do Recôncavo da Bahia, do ABC, de Ciências da Saúde de PA, de Alfenas, do Triângulo Mineiro, dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, de Grande Dourados, do Pampa, Rural do Semiárido, Tecnológica do Paraná, do Vale do São Francisco, Latino Americana, Luso Afro-brasileira, do Tocantins, do Oeste da Bahia e a Universidade Federal do Sul da Bahia. 

Hoje nosso desafio é elevar a taxa bruta de matrícula na Educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão e com pelo menos 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público, pelo que está estabelecido na meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014-2024.

O objetivo do PNE de ter 40% (quarenta por cento) das novas matrículas no segmento público gerará uma necessidade de expansão maior do que a proporcionada pelo REUNI. A taxa líquida de escolaridade superior em 2019 foi de 21.4%, o que significa 8 milhões de matriculados em todos os estabelecimentos de ensino. A taxa líquida de escolaridade superior em 2024 deverá ser de 33%, o que significará 13,7 milhões de matriculados se considerarmos a população atual, para efeito de simulação. Isso demandará um aumento de matrículas de 5,7 milhões para os jovens, sendo que o setor público deve ter um aumento de 2,3 milhões, que é 40% desse total. 

Para atingir esse patamar, deve-se pensar numa mudança de rumo na política educacional e na política de austeridade fiscal que hoje está destruindo o parque das instituições públicas. A um só tempo, deve-se retomar o financiamento das instituições existentes e pensar numa segunda fase de expansão, com combinação de diferentes atores públicos. O setor privado, hoje em crise pela diminuição do sistema de financiamento público para essas empresas, não deve ser considerado mais prioritário para essa meta nacional, e o Financiamento Estudantil (FIES) deve ser redirecionado para as instituições públicas.
Segundo o último censo da Educação Superior, de 2019, as universidades e instituições municipais respondem por 88.307 alunos, enquanto os alunos das estaduais foram de 656.830 e os alunos das federais foram de 1.335.281, demonstrando a importância dos três setores públicos, que é expressivo e diversificado. As universidades municipais, sob variadas formas jurídicas, hoje representam 4,24 % das vagas públicas oferecidas no Brasil. Apesar da Constituição Federal (CF) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) preconizarem que os municípios devem priorizar a Educação infantil e o ensino fundamental; os estados devem priorizar o ensino médio; e a União, a Educação Superior, essa priorização não significa proibição de investimentos nos outros níveis de ensino, desde que as necessidades daquele nível de ensino que é de sua responsabilidade sejam atendidas. 

As análises apontam um quadro atual de crescimento da procura pela Educação Superior, entretanto sem possibilidades de o setor privado contemplar esse contingente, pelos dados comparados da renda com o valor das mensalidades e o alto índice de evasão e de inadimplência dos alunos nas instituições privadas, especialmente a partir da diminuição acentuada do FIES. O setor privado passa hoje por uma crise forte, e certamente um futuro governo terá que pensar em expandir o setor público em vez de financiar o sistema privado.

Um setor que vem se desenvolvendo recentemente na Educação Superior e merece atenção, visando uma reforma de sua institucionalidade, é o “Sistema S”, que pode contribuir mais expressivamente para a expansão da preparação técnica para o mundo do trabalho, para a Educação Básica e para a Educação Superior. O sistema S, criado ainda no primeiro governo de Getúlio Vargas na década de 1940, trabalha com recursos públicos, recolhido a partir do desconto na folha de pagamento dos empregados das empresas, que varia de 1% a 2,5%, feito pela Previdência. Entretanto esse recurso depois é repassado às entidades patronais que fazem a gestão dos serviços de aprendizagem e sociais, consumindo parte dos mesmos para sua própria manutenção. 

Hoje o Brasil não tem imposto sindical para a manutenção dos sindicatos dos trabalhadores, mas as entidades patronais recebem recurso público para sua manutenção, numa assimetria de tratamento injustificada. Os serviços geridos hoje pelas entidades patronais são o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Social do Transporte (SEST), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

O objetivo do Sistema S foi sendo desvirtuado, com a cobrança de mensalidades e taxas, que evitavam que grande parte da população tivesse acesso aos cursos e formações, fugindo do caráter inicial para o qual foi pensado. Em 2008, durante a gestão de Fernando Haddad como Ministro da Educação, o governo exigiu uma mudança nesse quadro. O MEC entendia que o Sistema S já não estava cumprindo o que havia sido proposto em sua criação, pois a maioria dos seus serviços eram cobrados, ou seja, não havia amplo acesso da população aos mesmos. O impasse foi amenizado quando, em julho daquele ano, o Sistema S fechou um acordo com o governo, no qual se comprometeu a reverter parte dos recursos (de 11% a 66,6%) recebidos para a realização de cursos e ações gratuitas para a população. Isso ampliou enormemente o acesso da população a cursos de formação inicial e continuada oferecidos por muitas dessas entidades naquele momento. Apesar desse avanço pontual, esse acordo foi insuficiente e hoje a sociedade, que banca esses recursos, deve ter acesso à sua gestão de forma transparente, não deve mais haver destinação de recursos para as federações e confederações patronais, para que que haja mais recursos para as atividades formativas desses serviços e assim atender a população. A gestão desses serviços deve priorizar a gratuidade no acesso, garantindo uma gestão pública e gratuita do sistema.

Esse conjunto de ações poderá contribuir para essa ampliação da Educação superior, especialmente pelos sistemas públicos, o federal, a estadual e o municipal (este mais específico de algumas realidades do Sul do país) e pela conversão efetivamente do Sistema S em uma política pública de Estado, para ampliar suas atividades e garantir a inclusão e o desenvolvimento das atividades econômicas.
 

Edição: Elen Carvalho