Minas Gerais

DESIGUALDADE

Mais de 25% da população mineira está em situação de pobreza ou extrema pobreza

Pesquisador Bruno Lazzarotti analisa que a piora das condições de trabalho foi o fator determinante

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a metade mais pobre perdeu mais de um quarto da renda do trabalho em 2021 - Foto: Divulgação / PMF

O aumento da pobreza no Brasil está a olhos vistos. As crianças voltam a ocupar os semáforos, mais pessoas passam a dormir nas calçadas, a ida ao supermercado passa a ser muito mais regrada. Será que são apenas nossos olhos?

O pesquisador Bruno Lazzarotti, da Fundação João Pinheiro, afirma que não. Nesta entrevista ao Brasil de Fato MG ele mostra números tristes: mais de 5 milhões de mineiros estavam na pobreza ou extrema pobreza antes mesmo da pandemia do novo coronavírus.

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Há falta de pesquisas por parte do governo federal e os estudiosos não têm dados de 2020, mas em tudo indica-se que a situação está ainda mais alarmante. “Depois da tempestade veio o furacão”, afirma o pesquisador.

Bruno é autor da nota técnica “A dinâmica recente da pobreza e extrema pobreza em Minas Gerais”, junto com Lucas Augusto de Lima Brandão e Nícia Raies Moreira de Souza. Pode ser acessada aqui.

Brasil de Fato MG - Como está a população em situação de pobreza e extrema pobreza em Minas Gerais?

Bruno Lazzarotti - O estudo que fizemos é de 2012 a 2019, pois não há dados disponíveis de 2020, e mostra que tínhamos uma trajetória de queda da pobreza extrema e desigualdade que foi até 2015. Daí a diante, temos uma piora tanto da pobreza quanto da desigualdade, e depois uma certa estabilização, mas em patamares bem superiores aos de 2014.

Isso tem a ver com duas coisas. A primeira foi a recessão de 2015 e 2016, que é sempre mais danosa para a população mais pobre. As pessoas que estão em melhores posições têm como se proteger desse tipo de choque, os mais pobres não.

Retrocedemos pelo menos 10 anos em termos de condições socioeconômicas

O segundo motivo é que, após o golpe de 2016 que resultou no impedimento da presidenta Dilma Rousseff, houve um retrocesso em um dos motores de combate à pobreza, que são as políticas sociais e os investimentos públicos.

A diminuição do Benefício de Prestação Continuada, do Luz para Todos, do Minha Casa Minha Vida tem efeitos diretos nos mais pobres, mas também indiretos, pois ativam o circuito da economia que impacta positivamente os mais pobres.

O esvaziamento dessas políticas, junto com outros mecanismos como o Teto de Gastos, contribuiu para uma piora das condições socioeconômicas e piora do mercado de trabalho dos mais pobres, que se tornou mais precário e com uma maior taxa de desemprego.

A gente chegou na pandemia da covid-19 com uma sociedade, nas suas condições sociais, já muito fragilizada. Eu brinco que "depois da tempestade veio o furacão".

Renda das mulheres negras nunca chegou sequer à metade da renda dos homens brancos

Em números, quantas pessoas temos hoje em Minas Gerais em situação de pobreza e extrema pobreza?

No fim de 2019, tínhamos 1,5 milhão de pessoas extremamente pobres e 3,5 milhões de pobres em Minas. E tudo indica que nós chegamos em 2021 em uma situação bem pior que essa, com a deterioração do mercado de trabalho e o fim do auxílio emergencial.

Existem dois trabalhos, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas e o Observatório das Metrópoles, que apontaram que a proporção de extremamente pobres hoje é pior que a de 2012. Nós retrocedemos pelo menos 10 anos em termos de condições socioeconômicas.

De outro lado mostra que em praticamente todas as capitais, incluindo Belo Horizonte, houve uma perda enorme da renda do trabalho e foi muito mais severa para a metade mais pobre da população. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a metade mais pobre perdeu mais de um quarto da renda do trabalho em 2021. A desigualdade na renda do trabalho é a mais alta desde 2012.

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Existe um senso comum da criminalização da pobreza, que vê pessoas pobres e extremamente pobres como pessoas que não gostam de trabalhar. Mas você afirmou aqui que, pelo contrário, o crescimento da pobreza tem maior relação justamente com a remuneração do trabalho.

Esse é um dos mitos preconceituosamente construídos, herança de um país escravista que, para manter uma hierarquia - desigualdade - é preciso desqualificar aqueles que estão em situação pior. Tanto para legitimar a posição de quem explora, quanto para tentar convencer aos explorados de que eles estão no lugar que deveriam estar.

Essa acusação aconteceu muito no início do programa Bolsa Família, de que os beneficiários não trabalhariam. Foram feitos muitos estudos comparando pessoas que receberam Bolsa Família e pessoas que não recebiam, e não se percebeu nenhuma diferença no nível de ocupação ou procura de emprego. É só pensar: você deixaria de trabalhar porque ganha R$ 100?

Sociedade brasileira combina desigualdade terrível e mobilidade social muito baixa

O que pode acontecer, e isso talvez tenha incomodado as elites brasileiras, é que as pessoas já não estavam em uma situação tão desesperada a ponto de aceitar qualquer situação aviltante de emprego. Incomodou porque obrigou as elites a tratar os trabalhadores mais pobres com um pouco mais de dignidade do que gostariam ou estavam acostumados a tratar.

A relação é direta? Quando a gente tem trabalhos piores e menos remunerados, a extrema pobreza e pobreza no Brasil aumentam?

Sempre! A renda do trabalho responde por 70% do total das rendas das famílias. As outras rendas são aposentadoria, pensão, e somente os setores mais altos têm renda de aluguel ou investimento. Então, quando se precariza o trabalho, precariza no final das contas o conjunto das condições de vida, não só a renda.

A nota técnica que vocês elaboraram mostrou que negros e mulheres são maioria entre os pobres e extremamente pobres em Minas Gerais.

É algo muito impressionante. A sociedade brasileira combina duas características que parecem até pré-modernas: uma desigualdade terrível e uma mobilidade social muito baixa, que é por exemplo o filho do pedreiro virar médico. A chance de que isso ocorra no Brasil é muito baixa.

Historicamente no Brasil, você saber a renda ou a profissão do seu pai e do seu avô, te ajuda a prever qual será a sua. Isso é terrível. É típico de uma sociedade de castas. Ou seja, você herda a sua posição social, você não a conquista. Tanto para quem está em cima quanto pra quem está embaixo.

Uma pessoa que nasce no Brasil entre os 10% mais pobres, sabe quantas gerações precisariam para seus descendentes chegarem à renda média da população? Nove gerações. Mais de séculos! Em países nórdicos seriam três ou quatro gerações.

Quem nasce entre os 10% mais pobres precisa de nove gerações para chegar à renda média da população

Isso nos ajuda a entender como que, no Brasil, não temos só uma desigualdade de classe, mas sim uma combinação típica de uma sociedade moderna e capitalista com elementos quase pré-capitalistas, que chamamos de status. A sociedade te "carimba" com piores oportunidades e condições. No caso do Brasil, principalmente gênero e raça.

Nesse período que estudamos, a renda das mulheres negras nunca chegou sequer à metade da renda dos homens brancos. Uma coisa impressionante que tem que ser chamada pelo nome: injustiça.

O Governo de Minas irá pagar em agosto uma parcela única de R$ 600 a famílias em extrema pobreza. Na sua avaliação, esse auxílio vai ter um impacto significativo?

O auxílio emergencial nacional teve um bom impacto. Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas mostrou que durante a vigência do auxílio chegamos a um patamar de desigualdade e pobreza muito baixos. Mas de lá para cá as condições pioraram e o custo de vida ficou bem mais alto.

Esse auxílio, em Minas, provavelmente não terá o efeito de diminuição da pobreza. Não é suficiente para mitigar os efeitos e garantir condições de vida dignas à população, mas é um esforço importante. Nos mostra a intensidade da desigualdade, em que R$ 50 por mês ou, nesse caso, R$ 600 mesmo que em uma parcela, faz diferença.
 

Edição: Elis Almeida