Rio Grande do Sul

SAÚDE MENTAL

Parada Gaúcha do Orgulho Louco celebra o cuidado em liberdade na saúde mental

Evento ocorre nos dias 29 e 30 e chama atenção para os ataques às conquistas da Reforma Psiquiátrica e o desmonte do SUS

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Parada ocorre em Alegrete mas neste ano será virtual em função da pandemia, trazendo debates, oficinas e apresentações artísticas - Matheus Gonçalves

A X Parada Gaúcha do Orgulho Louco, evento estadual que anualmente toma as ruas e praças da cidade de Alegrete para reafirmar a importância do cuidado em liberdade das pessoas em sofrimento psíquico, neste ano será virtual em função da pandemia do novo coronavírus. Entre os dias 29 e 30 de outubro, uma série de debates, apresentações artísticas e oficinas estarão a um clique de cada um e cada uma, através da página no Facebook da Parada, trazendo como tema “Birutas nas ruas e nas redes: Novos modos de ocupar e re-existir”.

“É mais uma Parada pintando no horizonte, remoto, mas muito perto, dentro da casa da gente”, afirma a psicóloga e especialista em Saúde Mental Coletiva, Judete Ferrari, integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, que organiza o evento no estado junto de outras entidades. Ela explica que a Parada leva todo mundo para a praça pública para, “de forma lúdica, festiva e alegre, trazer as dificuldades que assolam o nosso país, o nosso estado e aqui o nosso município”.

De fato, celebrar a alegria, o afeto e o acolhimento como recursos transformadores no que diz respeito ao cuidado em saúde mental são alguns dos objetivos das Paradas do Orgulho Louco, que ocorrem em diversas cidades brasileiras. Da mesma forma, promovem reflexão e reafirmam a luta dos usuários, trabalhadores e gestores comprometidos com os direitos humanos. Nos últimos anos, o evento ocorre em um contexto de ataque aos direitos conquistados desde a Constituição de 1988, com o governo Bolsonaro amplificando a destruição do Sistema Único de Saúde iniciada sob o governo de Michel Temer.

Defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica

Parte do calendário oficial de Alegrete e do Rio Grande do Sul, instituída pela Lei Estadual 14.783/15, a Parada Gaúcha do Orgulho Louco defende o cumprimento da Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216). Aprovada em 2001 no Brasil, a lei é fruto da luta por Direitos Humanos que iniciou nos anos 1980, prevê a desativação gradual dos manicômios e a criação de estratégias para quem sofre de transtornos mentais possa conviver livremente na sociedade.

Em 2019, porém, o Ministério da Saúde promoveu diversas alterações implementadas na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, recolocando os hospitais psiquiátricos como um serviço a ser fortalecido. Judete destaca as críticas do movimento antimanicomial a isso. “A Parada fala muito sobre as dificuldades que nós estamos enfrentando na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A nossa rede tem recebido pouco investimento nesse último período, especialmente porque tem uma pretensão do governo federal de incluir dentro das ações da rede aberta e do cuidado em liberdade o hospital psiquiátrico, que é o oposto da RAPS."

Segundo ela, a Parada chama a atenção da população e dos governantes para a necessidade de investimento de recursos no Sistema Único de Saúde. “É fundamental, é preciso que a gente retire a emenda constitucional (95), que congelou os recursos para o SUS, ela é nociva para o SUS”, defende.

Construção a muitas mãos

Judete ressalta ainda a construção da Parada deste ano, que já vem de encontros preparatórios regionais pelo estado. Nos últimos meses, foram realizadas pré-paradas nas regiões Norte, Serra gaúcha, Campanha-Sul, Centro Fronteira-Oeste e região Leste-Metropolitana. “A gente propôs em todas as regiões encontros para debater a questão do sofrimento psíquico, da loucura, da superação desse sofrimento, e mobilizou muitos serviços, muitas pessoas, muita gente que está trabalhando com o cuidado em liberdade”, assinala.

Francisca Jesus, integrante do Coletivo de Mulheres Ouvidoras de Vozes e do Núcleo Maria Maria - Mães da favela da Central Única das Favelas (CUFA), confirma que a pré-parada da região Campanha-Sul foi construída através das redes de apoio, tendo como protagonista a pessoa usuária ou egressa de serviços de saúde mental. “Nossas discussões foram apresentadas através de cinco lives à comunidade, com o porquê de nossas lutas: o direito ao cuidado em liberdade! Dentro desse contexto evidenciou-se o controle social também como espaço para fazer a luta antimanicomial e mudar os rumos da saúde mental”, afirma.

Segundo ela, a partir do evento preparatório foi lançada a ideia de fazer o Grupo Ouvidores de Vozes na Parada do Orgulho Louco, “para então apresentar nosso trabalho dentro dos grupos e nossas discussões”. Ela destaca que toda a construção foi e é feita através de várias mãos, dando protagonismo total aos usuários, junto da experiência dos movimentos sociais implicados com a luta antimanicomial.

Escritor e representante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental na Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), Roque JR contribuiu com a pré-parada na região da Serra gaúcha. “Foi muito importante para a construção virtual da X Parada Gaúcha do Orgulho Louco, foram muitos encontros de várias formas e em vários municípios, em alguns grupos com dezenas de participações, isso também teve grande importância nesta construção coletiva”, conta.

Ele reforça o convite à participar da Parada nos dias 29 e 30: “Neste ano 2020 nosso evento-movimento está amplamente desafiado a se reinventar, na medida em que estamos enfrentando a pandemia da covid-19 com fortes ataques à democracia e aos direitos humanos no Brasil. Entendemos que precisamos ser birutas nas ruas e nas redes para inventar novos modos de ocupar e re-existir. Daí o convite para que possamos trocar coletivamente.”

Membro da Associação Construção de Porto Alegre, Marlon Farias, conhecido como Trovador Gaudério, contribuiu com a construção na região Leste-Metropolitana e ressalta que, apesar da Parada não ser nas ruas, o virtual proporciona um maior alcance. “A Parada Gaúcha foi sempre em Alegrete, todo o ano, mas nesse ano virtual, é para todos os lugares. A Parada Gaúcha está bombando bastante, vai ter muitas apresentações culturais, muitas falas, apresentações teatrais, como a que eu participo com o meu grupo, Nau da Liberdade.”

A Nau da Liberdade tem como integrantes usuários, estudantes e trabalhadores que navegam pelas águas da saúde mental através do fazer teatral. Nasceu numa parceria com o grupo de teatro italiano Accademia Della Follia, em 2013, dentro do projeto de desinstitucionalização da loucura do Hospital Psiquiátrico São Pedro. No início do governo Sartori, em 2015, “foi expulso do hospital” e hoje o projeto se mantém de forma autônoma. É um exemplo da importância da arte no cuidado humanizado em saúde mental.

Uma luta de mais de 30 anos

Militante da luta antimanicomial há mais de 30 anos, psicóloga e integrante do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Fátima Fischer afirma que a Parada “é a revolução cultural ao vivo, é uma grande possibilidade de produzir na sociedade uma outra relação com a loucura, grande bandeira da luta e da desinstitucionalização também em nível internacional”. Ela destaca as conquistas da luta antimanicomial:

“Foi com o debate e as conquistas das Leis da Reforma Psiquiátrica nacional e regionais que o Brasil teve, pela primeira vez na história da saúde mental, uma capilaridade. Chegou à maioria dos municípios com a atenção básica, até os Centos de Assistência Psicossociais (CAPS), geração de renda, serviços residenciais terapêuticos, redes complexas numa ampliação da assistência nunca antes vista. A saúde mental como ampliação de vida, em liberdade. A formação e qualificação de toda uma rede. A redução e fechamento de hospitais psiquiátricos, a fiscalização e denúncia de maus tratos aproximou movimentos sociais tornando uma luta da sociedade. A desinstitucionalização propõe e faz o cuidado em liberdade, numa inclusão cidadã."

Foi a partir dessa desinstitucionalização da loucura que nasceu a Parada. Segundo Fátima, no evento, “artistas usuários, trabalhadores, estudantes, população propõem-se a escancarar seus modos de ser e estar, numa relação aberta com a comunidade, levando sua arte, produzindo outras possibilidades de se lidar com a loucura, e a inclusão como ferramenta essencial. É uma festa da cidadania, onde é impossível não ser afetado, contagiado”.

Por isso, Fátima também ressalta a importância da resistência aos retrocessos nos âmbitos dos governos federal e estadual, que ameaçam a Reforma Psiquiátrica brasileira. “São ameaças que revitalizam o hospício, financiam a compra de aparelhos de eletrochoque, fragilizam a rede de cuidados em saúde mental e o cuidado no território, produzindo assim exclusão. Reativam a velha e superada centralização da doença mental no hospital psiquiátrico, valorizando o eletrochoque e outras formas cerceadoras aos usuários com sofrimento psíquico, moradores de rua e usuários de álcool e outras drogas”, conclui.

Programação

29 de outubro - X Parada Gaúcha do Orgulho Louco On-line

10:00 - Live “A saúde Mental Coletiva e a Desinstitucionalização da Loucura”

Com Sandra Fagundes, Karol Cabral, Fátima Fisher, Analice Palombini, Marlon Farias,

Mediador: Márcio Belloc

14:00 - Oficina On-line de Cartolas e Birutas

Com Marileuza Vilaverde, Cláudia Villaverde, Xica com X

17:00 - Vídeos e Lives Dramáticas (teatro, esquetes e expressão dramática, dança e expressão do corpo)

Vídeo A Experiência do fazer teatral na promoção da saúde mental/ Teatro Alphaville/ASSAMI/Ijuí

Grupo Nau da Liberdade ao vivo/Porto Alegre

19:00 – Grupo Ouvidores e Ouvidoras de Vozes

30 de outubro - X Parada Gaúcha do Orgulho Louco On-line

8:00 - Abertura “Amigo boleia a perna, puxe o banco e vai sentando”

Com Fórum Gaúcho de Saúde Mental, Conselho Regional de Psicologia, Pré-Paradas, Associação de Usuários e PGOL

8:30 - Eu me remexo muito em casa (oficinas de atividade física em casa)

Com Daiane Almirão e Marluã Alende

9:00 - Plenária On-line: A saúde mental na atenção básica e o fortalecimento da RAPS

Com Simone Paulon de Porto Alegre (RS), Tânia Grigolo de Florianópolis (SC), Marcela Lucena de Sergipe (PE), Claudionei da AUSSMPE Pelotas (RS), Adriana Leão de Vitória (ES)

Mediador: Rafael Wolski RS

11:00 - Encontro de Conselheiros e Legisladores na Luta Antimanicomial

Com Érika Kokay da Câmara Federal/DF, Valdeci Oliveira da Assembleia Legislativa do RS, Luis Fernando Pigatto do Conselho Nacional de Saúde, Henrique Fontana da Câmara Federal/RS, Maria do Horto Salbego da Câmara Municipal de Alegrete, Preta Mulazzani do Fórum Gaúcho de saúde Mental, Claudiomiro Rocha do colegiado coordenador da PGOL RS

Mediadora: Grazi Vasquez FGSM RS

12:00 - Almoço Mentaleiro

14:00 - IV Encontro de Usuários e Familiares

16:00 - Webnário e-mental: Que Loucura essa Pandemia - Dispositivos On-line de saúde mental durante a pandemia

Com Marilda Couto do Grupo de Apoio e Gratidão de Norte a Sul (PA), Liamara Ubessi da Escuta na Quarentena (RS), Daildo Magalhães do Plantão da Madrugada (ES), Tatiana Dimov do SUSpiradas On-line (RS), Isadora da AMA Ouvidorxs de Vozes (RS), Ana Lúcia Vargas do O que me der na telha (RS), Bárbara Cabral da Tendas da Atenção Psicossocial On-Line (PE)

Mediador: Roque Jr da GAS Mental Farroupilha (RS)

18:00 - Rádio e Podcast Qorpo-Santo on-line. Quem sabe faz ao vivo! E Lançamento da Rádio Nau da Liberdade

Com Márcio Belloc da Rádio Nikosia, Károl Cabral da Rádio Qorpo-Santo, Judete Ferrari da Rádio Qorpo-Santo, Larissa Dall Agnol da Rádio Cuidativa, Ivon Lopes da Rádio Com.

Mediadora: Sandra Fagundes

20:00 - Encerramento


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua: http://bit.do/amigodobdf

Edição: Katia Marko