Bahia

Coluna

A Soberania não tem preço: vamos deixar rifarem a nossa?

Imagem de perfil do Colunistaesd
Camponeses e camponesas de todo o Brasil reunidos no 1° Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas pedindo efetivação da Reforma Agrária. - Reprodução
Apesar do capital estar determinado a nos apagar da história, nós estamos e continuaremos resistindo

“Reforma Agrária, na Lei ou na Marra”! Foi com essa palavra de ordem que, em 1961, mais de 5.000 camponeses e camponesas de todo o Brasil reuniram-se no 1° Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizado em Belo horizonte, Minas Gerais. As milhares de lideranças, das mais diferentes frentes de luta, desde as Ligas Camponesas do nordeste até o MASTER, reuniram-se para afirmar que: eram contra o latifúndio improdutivo e que o único caminho para a justiça social no Brasil seria com a efetivação de uma Reforma Agrária!

Naquele momento da história, estava efervescendo na cena política diversas possibilidades reais de mudanças estruturais, já que o próprio João Goulart, em discurso histórico, afirmou que faria a Reforma Agrária. Mas não deu outra: 18 dias após o discurso veio o golpe e a instauração da ditadura militar, colocando os partidos de esquerda e movimentos sociais na ilegalidade, além da perseguição e desaparecimento de centenas de lideranças políticas.  É importante não esquecer que tanto em 64 com Jango e em 2015, com a presidenta Dilma, os mais interessados de fundo na derrubada destes governos eram as corporações internacionais, que, historicamente, utilizaram o Brasil como sua “fazenda e laboratório”. 

Propositalmente, relembrei o congresso de 1961 por dois motivos óbvios:  I) a Lei neste momento não está a favor dos povos originários, comunidades tradicionais e camponeses e camponesas; e II) apenas na Marra que faremos enfrentamento à violação dos direitos à terra e território. Está sendo  articulado por setores da burguesia brasileira (desde que Temer assumiu) em conluio com as grandes corporações transnacionais, o capital financeiro e os setores do agronegócio, da agroenergia e da mineração, uma verdadeira rapina da soberania nacional no Brasil. E uma forma simples de enfraquecer um país, é apropriar-se de suas riquezas naturais. 

O que está em curso no Brasil é um fortalecimento da lógica neocolonial, onde o capital (empresas de mineração, do agronegócio, eólicas e solares) buscam expropriar os povos originários, comunidades tradicionais, camponesas e camponeses dos seus territórios e apropriar-se privativamente da natureza -  biodiversidade, terra, água - existente nos territórios. Infelizmente, temos visto que todas estas investidas estão sendo articuladas em parceria com a facilitação do Estado (Justiça, Forças Armadas) e o apoio ideológico da mídia burguesa. 

Os diversos ataques sofridos pelo MST país afora, como por exemplo, o despejo do Acampamento Abril Vermelho em Juazeiro/BA, onde moravam mais de 350 famílias, e gerava mais de mil empregos nos períodos de safra, além de produzir toneladas de alimentos para abastecer o mercado regional, ou do Acampamento Quilombo Grande, em Campo do Meio/MG, que a partir da auto-organização das 450 famílias, produziam um café orgânico nacionalmente conhecido, demonstra como o governo Bolsonaro vem adotando uma política belicosa, tentando de todas as formas eliminar os segmentos que fazem enfrentamento a ele e a sua política entreguista. 

Além dos MST, dezenas de etnias indígenas, comunidades quilombolas também estão tendo seus territórios  invadidos ou ameaçados em todo o Brasil. Os povos indígenas Tupinambá e Pataxó, os Quilombos Rio dos Macacos e Fazenda Grande, todos na Bahia, o Quilombo de Alcântara (MA) entre outras tantas comunidades estão sofrendo com estes ataques. E, por quê? Porque são todos estes segmentos sociais que zelam e preservam, nos seus territórios, estas fontes de riqueza tão cobiçadas pelo capital.

De acordo com dados divulgados pelo Cadernos de Conflitos no Campo, elaborado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), como forma de denúncia às injustiças cometidas no campo brasileiro, o crescimento dos casos de conflitos  aumentou assustadoramente. Em 2015, foram registrados 1.217 casos, já em 2019 este número subiu para 1.833. Tal constatação reforça que existe sim um movimento por parte do capital, com o objetivo de desterritorializar e expulsar campesinos, povos e comunidades tradicionais. 

Quadro de Conflitos no Brasil e na Bahia em 2019

Tipos de Conflito

Conflitos por Terra

Conflitos por Água

Conflitos Trabalhistas

Quantidade no Brasil

1.206

489

89

Quantidade na Bahia

130

101

5

Fonte: Quadro sistematizado a partir de informações coletadas do Cadernos de Conflitos organizado pela CPT 2019.

Infelizmente, a Bahia está em 3° lugar na lista de estados com mais conflitos, ficando atrás apenas do Maranhão e de Minas Gerais. Este dado é importante, pois visibiliza que está em curso uma disputa por territórios e por suas riquezas, e que secularmente foram preservadas e utilizadas de maneira ecológica pelos povos originários, comunidades tradicionais e camponesas e camponeses.

Apesar de organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção 1969, afirmar que povos originários, comunidades tradicionais, campesinas e campesinos têm direito de definir sua própria identidade (autodefinição), direito a posse das terras tradicionalmente ocupados e o direito à preservação do seu modo de vida, isto não ocorre na prática. Além disso, estes segmentos sociais também tem assegurado (ou pelo menos deveria ter!) por outros mecanismos jurídicos institucionais - como a própria Constituição Federal – o direito a titulação definitiva das terras e o direito a uma consulta prévia, livre e informada. 

A cada dia que passa muitas outras comunidades estão tornando-se alvo do capital na busca pela apropriação privada da natureza; terra e solos férteis, fontes de água em abundância, recursos genéticos a serem descobertos e patenteados, mão de obra barata suscetível a ser explorada, além de “facilidades jurídicas”,  é tudo o que as grandes empresas desejam. 


Panorama de como estão distribuídos, pelo estado, os diferentes segmentos sociais / GeografAR

A figura (1), produzida pelo grupo de pesquisa GeografAR, vinculado à Universidade Federal da Bahia (UFBA) sistematizou um panorama de como está distribuída pelo estado os diferentes segmentos sociais. Em linhas gerais, estão na mira dos grandes projetos 50 territórios indígenas, 500 Comunidades Tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, 900 comunidades quilombolas, 400 acampamentos, 500 áreas de Reforma Agrária, além de pescadores e pescadoras, posseiros.

Com as graves consequências econômicas ocasionadas com a chegada do coronavírus e dezenas de países com sérios problemas a serem solucionados, entra em ação uma lógica pragmática: quem tem para vender, vende, e quem tem para comprar, compra!  Enfim, muitos países da América Latina, Ásia e África, principalmente neste difícil momento onde a economia global está em crise, a saída será abrir mão da sua soberania.  

Os capitalistas sabem que para manter suas taxas de lucro, é importantíssimo o acesso às mais variadas fontes de riqueza, pois elas serão “a solução” presente e futura. No caso do Brasil, por exemplo, já estamos acompanhando o enfraquecimento da nossa soberania; a tentativa de privatização dos Correiros, Bancos Públicos, Petrobras, Eletrobras, mostra que o interesse de Bolsonaro é entregar de bandeja todo o potencial brasileiro. 

Na Bahia, estamos numa encruzilhada. Somos um estado com uma múltipla diversidade de riquezas naturais, temos potencial para a produção agrícola, minerária, solar, hídrica, eólica, enfim, apresentamos em nossa geografia todas as possíveis “fontes de lucro”  que o capital deseja apropriar-se. Mas não nos esqueçamos: em praticamente todos os locais “possíveis de exploração”, já existem povos originários, comunidades tradicionais e campesinos e campesinas, que vivem nestes territórios há dezenas ou centenas de anos, e, portanto, têm direito sobre estas terras. Elas simplesmente não podem ser ignoradas e agredidas pelo Estado, muito pelo contrário, precisam ser valorizadas, pois, em verdade, são elas as verdadeiras guardiãs da soberania.    

Existe sempre esperança nos momentos difíceis, pois, apesar de toda ofensiva contra as forças populares, ainda consta no Caderno de Conflitos da CPT que os números de manifestações ocorridas no Brasil em defesa dos territórios foi maior nos últimos 10 anos, chegando a 1.301 e envolvendo diretamente aproximadamente 240 mil pessoas, o que demonstra que apesar do capital estar determinado a nos apagar da história, nós estamos e continuaremos resistindo!
 

Edição: Elen Carvalho