Rio Grande do Sul

PANDEMIA

Contaminação de professores e funcionários acende sinal de alerta nas escolas gaúchas

CPERS Sindicato denuncia pressão do governo estadual sobre categoria para manter atividades presenciais e online

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Fotografia divulgada pelo CPERS mostra aglomeração em frente a uma escola estadual gaúcha na primeira semana de junho - Reprodução

A pressa do governo gaúcho em retomar as atividades, mesmo com o crescimento de casos, internações e mortes por covid-19, já resultou na contaminação de funcionários, professores e diretores de escolas da rede pública estadual. A exposição ao vírus é somente um dos problemas enfrentados pela categoria, que também sofre com sobrecarga de trabalho, salários atrasados e necessidade de fazer empréstimo para poder receber em dia.

“Decidimos no Conselho Geral pelo fechamento total das escolas devido à contaminação que já temos de dois diretores, dois professores e dois funcionários”, relata a presidente do Centro dos Professores/RS (CPERS Sindicato), Helenir Schürer. A medida, entre outras 22 propostas, foi aprovada por mais de 130 conselheiros de todo o estado na primeira reunião à distância do conselho da entidade, encerrada nesta terça-feira (23).

Presença mesmo com aulas suspensas

Embora com as aulas presenciais suspensas desde março, professores, funcionários e diretores seguem presentes nas escolas, trabalhando em plantões, para entregar e receber atividades a pais e alunos que não tem acesso à internet, conforme determinação da Secretaria de Educação. A presidente do CPERS nota que a tarefa é realizada mesmo sem protocolos claros, treinamento, equipamentos (EPIs) e até verba para adquirir materiais de proteção e limpeza.

“Temos uma escola que a própria diretora, por conta, fechou. Mas as outras continuam funcionando e quem nos dá a certeza de que outros não serão contaminados?” questiona, fazendo referência à quarentena adotada no colégio Protásio Alves, que teve sua diretora infectada pelo novo coronavírus.

Retorno adiado

A alta recente nas internações por covid-19 alterou a previsão de retorno das aulas presenciais, como anunciou o governador Eduardo Leite (PSDB), em videoconferência nesta segunda-feira (22).

Estamos analisando alguns dados e revisando alguns protocolos, mas a expectativa acaba pela situação específica. Trabalhamos com o retorno para a segunda quinzena de julho para a etapa de educação”, avisou Leite. “Estamos analisando as internações e, ao longo dessa semana, vamos anunciar de que forma identificamos a possibilidade do retorno presencial em algumas etapas de ensino”, disse.

Nem testes, nem diálogo

No entendimento da categoria, mesmo sem aulas presenciais, a dinâmica de retirar e entregar materiais nas escolas representa um grande risco sanitário. Para o CPERS, se o governo insiste em mandar os funcionários e professores para as escolas, deveria realizar testes de covid-19 nos professores e também naqueles alunos que vão entregar ou buscar o trabalho de aula. “Esses testes são fundamentais para evitar a proliferação da covid-19”, avalia Helenir.

Desde o início da pandemia, o CPERS tem denunciado a falta de diálogo do governador com a categoria para a elaboração de estratégias frente ao avanço do coronavírus.

Na linha de frente da infecção

“O governo não nos inclui nas discussões sobre o retorno das aulas presenciais, mas nos bota na linha de frente da contaminação. Isso é o mesmo que jogar nos ombros dos educadores a responsabilidade sobre possíveis contágios que ocorrerem nas instituições”, pondera.

Para Helenir, não é uma questão de defender apenas a vida dos trabalhadores em educação, mas de todas as pessoas. “Entendemos que, enquanto a curva de contaminação não começar a descer, não será possível seguir com essa exposição, com entrega e retirada de trabalhos e muitas vezes aglomeração nas escolas onde nossos colegas estão atendendo”.

Telefonemas à meia-noite

Frente ao isolamento social, o governo tem buscado a alternativa digital, as aulas programadas, via Google Classroom. O modelo ignora a desigualdade social, já que muitos alunos não tem condições de acesso à internet. Além disso, passa por constantes mudanças de metodologia, gerando incerteza e ansiedade.

Na visão do CPERS, há um “descompasso entre as informações dadas pelas coordenadorias, que passam uma informação para a escola e no outro dia já não é mais aquela informação”. Além disso, reclama que o governo manda os professores fazerem cursos, prepararem aulas remotas, aulas que serão enviadas para casa dos alunos, e isso tudo tem gerado um desgaste muito grande”. Ela conta que, às vezes, “é meia-noite e os alunos ou os pais estão telefonando para pedir alguma explicação”.

“Professores não tem mais vida própria”

Os professores estão usando seus próprios telefones, deixaram de ter vida própria e passam 24 horas à disposição do governo estadual. O mesmo governo que, há seis anos, não apresenta nenhum reajuste para a categoria, mantém 54 meses de salário atrasado, obrigando os funcionários a fazerem, a cada mês, um empréstimo no banco para conseguirem retirar o salário. “E, ao mesmo tempo, não nos ouve, inclusive os protocolos que estão sendo criados nos preocupam muito”, denuncia.

Agora, há reunião agendada para o dia 2 de julho com a Secretaria da Educação para tratar desses temas. Para os professores, há necessidade de manter a resistência, apesar das dificuldades de mobilização. O CPERS avalia que, além da articulação da campanha que releva o autoritarismo de Leite no que diz respeito à pressão exercida sobre os educadores, destacam-se as lutas antirracista, pela democracia e contra o comportamento do governo Bolsonaro.

As 23 propostas do Conselho

Foram 23 as proposições aprovadas na reunião dos conselheiros. São as seguintes:

1. Fechamento de todas as escolas em face da pandemia;
2. Os núcleos devem articular movimento com as direções das escolas no sentido de ações de resistência às pressões do governo relativas à sobrecarga de trabalho e na responsabilização do retorno às aulas sem segurança para os trabalhadores(as) em educação e comunidade escolar;
3. Campanha publicitária potencializando a luta contra o autoritarismo e crueldade do governo Leite (PSDB), articulando a visibilidade da campanha em todo o estado. Agregar na campanha a temática da sobrecarga de trabalho e pressão aos(às) educadores(as) e direções de escola, bem como o atropelo, a imposição e a falta de condições para as atividades remotas.
4. Adiar as eleições do CPERS em face da pandemia, estabelecendo o calendário eleitoral no primeiro conselho geral presencial, por ocasião do retorno às aulas.
5. Manter a contribuição sindical do valor anterior à mudança do plano de carreira do magistério até janeiro de 2020.
6. Participar na campanha pela aprovação do FUNDEB permanente, dada a importância deste no financiamento da educação pública;.
7. Fora Bolsonaro/Mourão e sua política! Adesão do CPERS às campanhas pelo impeachment, cassação da chapa no TSE e por eleições diretas, participando virtualmente, e dentro das possibilidades de forma presencial (observando as normas sanitárias da OMS) das mobilizações em defesa da democracia e da luta antirracista;
8. Moção de repúdio a Sergio Camargo, presidente reacionário da Fundação Palmares, exigindo a sua exoneração do cargo;
9. Engajamento nas propostas de mobilização da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) na luta pela democracia, pela defesa da vida e pela educação pública de qualidade, em consonância com as contribuições da Confederação através das diretrizes para a educação escolar durante e pós-pandemia.
10. Exigir do governo a garantia das plenas condições sanitárias por ocasião do retorno às aulas, que pressupõe verbas suplementares para aquisição de EPI’s, recursos humanos (professores/as, especialistas e funcionários/as) e infraestrutura. Reivindicar recurso orçamentário emergencial para financiar a educação pública estadual nesse período de excepcionalidade/pandemia;
11. Exigir a garantia da preservação dos empregos e remuneração, em especial de servidores(as) precarizados(as) com contrato emergencial, convocação ou terceirização, como medida humanitária diante da pandemia;
12. Cobrar do governo a garantia de proteção de dados pessoais de estudantes e professores/as, bem como a proteção autoral das aulas postadas na plataforma da SEDUC;
13. Campanha de pressão pela derrubada dos vetos de Bolsonaro ao reajuste de servidores/as) públicos;
14. Pressão ao governo Leite e aos deputados(as) da ALERGS pela reposição salarial aos funcionários/as) de escola, denunciando a situação de miserabilidade em que se encontram;
15. Realizar discussão pedagógica nos núcleos considerando as diretrizes da CNTE para diagnóstico do trabalho e do ensino remoto e pela garantia da autonomia pedagógica das escolas e o direito de cátedra dos professores/as). Agregar representação de universidades e organizações dos segmentos na discussão. No final do isolamento, ao reiniciarem as aulas presenciais, fazer um grande debate com a comunidade escolar e plano para buscar aqueles que ficaram à margem. Avaliar todo o processo e ver como recuperar as lacunas, rever o currículo e exigir que o governo respeite a comunidade escolar (gestão democrática) e o que orienta o CEEd/RS;
16. Denunciar o governo pela não nomeação de representantes da sociedade civil e do CPERS ao Conselho Estadual de Educação/RS.
17. Denunciar a não nomeação do Conselho Administrativo do IPE-Saúde;
18. Fortalecer ações com participação do CPERS junto ao Conselho Estadual da Merenda para garantia da soberania alimentar dos nossos alunos;
19. Intensificar a participação do CPERS às campanhas de denúncia da violência contra a mulher e de combate ao feminicídio;
20. Exigir que o governo assegure o quadro de profissionais necessários (professores/as, especialistas e funcionários/as) para o cumprimento dos protocolos sanitários e pedagógicos, considerando-se o possível aumento do número de alunos nas escolas públicas no pós-pandemia;
21. Denunciar às organizações internacionais de direitos humanos (latino-americanas) os ataques nos salários e previdência que atentam contra a vida dos trabalhadores/as) em educação, aposentados e da ativa;
22. Exigir que o governo garanta as condições materiais (equipamentos) para as aulas programadas ou EAD, cobrando acesso à Internet para todos os trabalhadores/as em educação e estudantes;
23. Nota Pública “Fora Fundação Lemann”, fazendo a denúncia desta e das demais corporações que executam a privatização da educação pública no RS.

 

* Colaboração de Fabiana Reinholz

 

Edição: Ayrton Centeno