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A pandemia escancara ainda mais a falsa abolição

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Os negros e negras somam 43,1% dos hospitalizados, mas representam mais da metade de todos os óbitos (50,1%). - GOVBA
A quantidade de pessoas negras que morrem por covid-19 quintuplicou em apenas duas semanas no Brasil

Se a realidade no Brasil já estava difícil por causa de um governo fascista e promotor do discurso do ódio, agora ela está praticamente insustentável. O país caminha para se tornar o principal em número de mortes pela covid-19 no mundo e o que presenciamos é uma inércia governamental que, na verdade, faz jus ao que ele sempre pregou abertamente: o genocídio do povo negro e pobre. 
Se, no início desta tragédia mundial, o número de vítimas fatais no Brasil era, em sua maioria, branca, esse quadro já se reverteu, como vinhamos sendo constantemente alertados por especialistas e infectologistas.  A quantidade de pessoas negras que morrem por covid-19 no Brasil quintuplicou em apenas duas semanas, conforme mostram os dados do Ministério da Saúde. De 11 a 26 de abril, mortes de pacientes negros confirmadas pelo Governo Federal foram de pouco mais de 180 para mais de 930. 
Os negros e negras somam 43,1% dos hospitalizados, mas representam mais da metade de todos os óbitos - 50,1%, contra 47,7% de pessoas brancas de acordo com os dados do Boletim nº 15 da Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde.  
No entanto, na medida em que se passou a ter essa percepção sobre os óbitos por coronavírus, o próprio ministério agora parece tentar esconder esta triste realidade ao qual os negros, mais uma vez, estão submetidos. No dia 4 de maio a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que notificações de casos confirmados e óbitos em decorrência do coronavírus incluam, obrigatoriamente, informações de raça e cor dos infectados por um motivo óbvio: corrigir a lacuna de informações sobre cor/ raça de infectados. Mas, a Justiça do Rio acabou suspendendo a liminar a pedido da União.
A tentativa da União em não cumprir o que determinou o juiz  federal Dimitri Vasconcelos Wanderley só revela o que já sabíamos: a negligência com o tratamento da saúde de mais da metade dos brasileiros que hoje se declaram pretos ou pardos. Segundo a defensora pública federal Rita Cristina de Oliveira, embora a obrigatoriedade desse registro exista no papel, o próprio sistema informático do Ministério da Saúde abre uma brecha para essa negligência, uma vez que, caso o dado cor/raça não seja preenchido, o sistema vai ser alimentado da mesma forma. 
Desde sempre a ala progressista deste país alertava que o governo  de Bolsonaro seria principalmente racista, além de machista, lgbtfóbico e tantos outros absurdos inadmissíveis em uma democracia. 
Sem a coleta adequada de informações, fica quase impossível se estabelecer protocolos direcionados de mobilização e combate ao vírus. O motivo para mais negros morrerem é simples de se deduzir: a desigualdade social.  Eles residem em favelas e periferias, locais que não dispõem de saneamento básico, condições dignas de habitação e de saúde. De acordo com a Fiocruz, esses são os principais motivos que colocam seus moradores em situação de vulnerabilidade e com maior risco de terem as comorbidades que agravam a covid-19, como diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas no país. 
Todas essas questões que expõem a desigualdade brutal em nosso país nas condições de moradia e de vida entre pretos e brancos só nos mostra que a chamada Abolição da Escravatura, no dia 13 de maio de 1888, nunca existiu, e nada mais foi do que um ardiloso decreto à época. 
Passados 132 anos, essa falsa abolição relegou os negros e negras ao desemprego, à exclusão social, à pobreza e a vulnerabilidade para doenças.  E este governo atual cada vez mais demonstra o quão racista ele é ao tempo em que nada faz, nada propõe e ainda tenta esconder que os negros são a maioria dos mortos pela covid-19 e tem 85% mais chances de virem à óbito. 
Diante de um governo que propositalmente não coleta dados de cor/raça, que se mantém inerte perante milhares de mortes, que ri das desgraças alheias, que faz pouco caso da gravidade, o que nós podemos fazer, além de cobrar na Justiça e dos parlamentares ações enérgicas de combate a disseminação do vírus? Muitos de nós, devido a impossibilidade de aglomerações e logicamente de manifestações populares, nos sentimos incapazes de confrontar esse caos na saúde do país, que afeta gravemente as populações mais vulneráveis.
Mas, sim, nós podemos muito e não devemos esmorecer nesse momento, por mais que a realidade nos coloque para baixo, nos entristeça. Temos que nos somar a diversas entidades e organizações, fortalecer as ações de solidariedade que estão sendo construídas em diversos grupos, movimentos sociais e setores da sociedade civil.  Nós, da esquerda, que sempre lutamos por justiça social no Brasil, devemos continuar com os exercícios de unidade e auto-organização política. 
A partir do fortalecimento destes vínculos orgânicos, vamos derrotar o governo Bolsonaro e sua necropolítica imposta ao povo brasileiro. Viemos da luta, e na luta continuaremos.

Edição: Elen Carvalho