Bahia

EDUCAÇÃO

Quais os desafios para a educação pública diante da pandemia de COVID-19?

Para refletir sobre isso, entrevistamos Jerônimo Rodrigues, secretário de Educação da Bahia

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Jerônimo Rodrigues é professor no Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Feira de Santana (UFES). - Mônica Salvador

Desde a chegada da COVID-19 no Brasil, uma série de medidas em diversos setores vêm sendo tomadas para evitar a contaminação das pessoas. Na Bahia, o Governo do Estado decretou isolamento social desde o dia 16 de março. Apenas atividades essenciais seguem acontecendo. Na rede pública de ensino, de acordo com o último decreto do governador Rui Costa (PT), as aulas seguem suspensas até o 3 de maio.
Diante do cenário, gestores, professores, estudantes e famílias vêm buscando alternativas para diminuir os prejuízos. Na Bahia, o projeto Vale Alimentação Estudantil foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Bahia na terça-feira (14) e concederá auxílio alimentação no valor de R$55 para todos os estudantes da rede estadual de ensino enquanto durar o isolamento. A Secretaria de Educação do Estado, em parceria com diversas instituições, também vem promovendo algumas atividades on-line para estudantes e professores. Para saber sobre essas e outras medidas, bem como os principais desafios para a Educação, conversamos com o secretário de Educação da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT).

 
BdF BA: Quais estratégias vêm sendo adotadas desde o começo da pandemia na Bahia?
Jerônimo Rodrigues:
Sinto um desafio muito grande em relação ao que fazer. Uma coisa é quando encontramos uma situação de greve de professor, por exemplo, na qual não temos o serviço da aula na escola, mas a vida está normal para outras coisas, para fazer o trânsito de um lugar para outro. Agora não. A regra é ficar em casa para evitar a transmissão comunitária. Não estávamos prontos para isso. Porque, imagine, se eu pudesse me movimentar, eu ia nas comunidades com meus professores e levávamos os exercícios para os estudantes fazerem em casa. Fazia uma espécie de entrega domiciliar. Mas nem isso a gente pode fazer.
Ainda na primeira semana, depois do decreto do governador, chamamos uma reunião com todos os reitores das quatro universidades estaduais da Bahia para sondar a situação do calendário, como seria essa paralisação de imediato e quais deveriam ser os cuidados. Já apareceu a necessidade de criarmos uma plataforma para disponibilizar material de leitura, de estudos e de exercícios. Importante destacar que o decreto não nos obriga a contabilizar a atividade acadêmica domiciliar. 
Na semana passada, fizemos uma live com o educador português Antônio Nóvoa para dar início ao curso de formação de professores à distância. Essa aula está em 30 mil acessos. Com esse curso, nós estamos capacitando cerca de 10 mil profissionais da educação da Bahia, entre diretores, coordenadores e professores. Nós temos uma TV pública no estado, a TVE, que todos os dias, de 13h às 15h, exibe o Estude em Casa, programa que é uma parceria com a Fundação Roberto Marinho e o Canal Futura. Surgiu muita provocação da educação do campo também sobre a necessidade de utilizarmos programas de rádio, assim como estamos fazendo na TV.

 
Qual o impacto desse isolamento para os estudantes baianos?
No momento, estamos há 32 dias letivos sem aulas. Se tivermos mais 15 dias de isolamento, ainda assim conseguiremos pagar de forma presencial esses dias até o dia 23 de dezembro. Por isso, estamos, como se diz aqui no Nordeste, comendo mingau pelas beiradas. Aguardando passo a passo as orientações da Saúde e as determinações do governador. Se percebermos que vamos precisar de mais tempo, pensaremos como compensar isso sem prejudicar o ano seguinte.
Enquanto isso, estamos fazendo o exercício dessa plataforma. Nesse caso, é para quem tem acesso à internet. E, aqui, eu faço uma observação: não dá para imaginar que vai ser qualquer internet. Uma coisa é você ter internet para acessar WhatsApp, a outra é você ter internet para baixar um arquivo, um livro. Aliás são três aspectos que precisam ser levados em conta quando falamos do uso dessa ferramenta: o serviço, ou seja, a internet; os equipamentos, a pessoa pode ter um bom acesso à internet, mas não ter um bom computador ou celular; e a formação para o uso. Nós temos professores que têm internet e equipamentos bons, mas não tem a formação de como se trabalha com ferramenta à distância.

Se o Estado, no sentido amplo mesmo, é chamado para suprir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes numa época de pandemia é porque os estudantes não tem grana para comer.

O que precisa ser levado em conta quando se pensa em educação à distância?
O Brasil inteiro agora está trazendo a Educação para fazer ações, novamente, que não deveriam ser da escola. Não é função da escola alimentar os estudantes. O papel da escola, no campo da alimentação escolar, é ser um complemento, não ser a alimentação mais importante. E agora, no Brasil inteiro, estamos tendo que entrar com vale alimentação para substituir um papel que é da assistência social. Veja, para responder à pergunta em relação à internet e tecnologia, se o Estado, no sentido amplo mesmo, é chamado para suprir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes numa época de pandemia, é porque os estudantes não tem grana para comer. Se não têm grana para comer, onde é que está a internet? Eles não vão ter condições de assumir uma responsabilidade de ter um bom serviço de internet em casa. Isso é na educação pública em geral. Se formos falar de ensino privado e nos grandes centros, talvez não tenhamos essa dificuldade, porque a classe média comporta isso. Mas se formos para o conceito de educação fundamental em lugar pequeno, lá também os estudantes não vão ter condições de ter internet boa. Se não temos internet, como vamos trabalhar o tema da educação à distância, da educação domiciliar. É um grande desafio para nós.
Não tenho preconceito algum com educação à distância, nem o governador Rui Costa. Nós temos que utilizar as ferramentas da educação à distância a partir da necessidade e entendendo suas capacidades e limites. Sem podermos ter um encontro presencial com os estudantes, alguém tem que ajudá-los em casa. É a família? Ela tem competência para isso? Onde nossos estudantes moram, tem um ambiente, uma sala, com mesa e cadeira? Recebemos diversas fotos de estudantes sentados no chão, porque moram no aperto. Não estou colocando a dificuldade diante da situação. É que a pandemia traz essas reflexões. Espero que a gente possa refletir sobre isso.


Quais os desafios, pensando na característica do nosso estado? 
Quando nós fizemos a plataforma, pensamos que existiriam os limites de acesso. A Bahia tem uma população rural muito grande – são quilombolas, indígenas, povoados, distritos. Grande parte dos nossos municípios têm população de 30 a 50 mil habitantes. São municípios rurais. Então, como é que eu chego a esse outro público que não tem acesso à internet. E nem precisa ir para o interior. Podemos pensar nas periferias de Salvador, onde não chega bom sinal de internet. 
Nós estamos com a cabeça quente e com boas intenções. Mas estamos num apagão e não estávamos prontos. No máximo temos velas para acender, e velas, em meia hora, acabam. Você imagina, nós temos cerca de 30 mil estudantes da educação especial, que, na escola, precisam de um cuidador, um tradutor de libras. Eles estão em casa, sem nenhuma pessoa com a instrução devida que um profissional da educação especial tem.

 
É possível fazer uma breve avaliação do que já vem sendo feito?
O prazo é muito curto. Nós estamos falando de um mês e quatro dias de isolamento. E, assim, ainda com certa tensão psicológica das pessoas, que, primeiro, precisaram parar para entender o que é isso, como se comporta, como fica em casa. Diante também da tremenda irresponsabilidade de um Governo Federal, de um presidente, de um ministro da Educação que não acolhe a responsabilidade como nós acolhemos aqui. Na Bahia, a ordem é a seguinte: enquanto tiver risco de saúde pública para estudante, professor e funcionário a gente não começa as aulas. Só iniciaremos quando tivermos uma firmeza de que a situação está pelo menos mais tranquila. E, a nível nacional, nós temos um governo que estimula que a gente tem que voltar. Tudo isso causa um desconforto.
Nesse momento, nós temos reunido quase que semanalmente com a União dos prefeitos. Quanto aos estudantes do campo, esperamos que essa semana consigamos estruturar alguma atividade concreta. Não temos nenhuma iniciativa em outros estados, nesse sentido, que pudesse servir como exemplo.


Como tem sido o diálogo com as instâncias federais?
Nós temos um Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) muito afinado, trocando experiências. Além da própria União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), tanto a estadual quanto a nacional, que reúne os secretários. Alguns órgãos, por exemplo, o BNDES e a Fundação Getúlio Vargas também têm colaborado. A nível de Nordeste é importante registrar o Consórcio, e nós sentamos para alinhar essas decisões. Agora quando se trata do MEC, as coisas do FNDE eu posso dizer que andam naquilo que é uma decisão mais técnica, que não dependa de uma decisão política. Quando foi para tratar da questão da alimentação nesse período, não tivemos um retorno a contento. Então não temos o MEC parceiro nosso para cuidar dos estudantes nesse momento. Não estou dizendo de dinheiro não. Estou dizendo de decisões, de enfrentar junto. A decisão quanto à manutenção das datas de realização do ENEM é sem nexo. Sabemos que vamos ficar dois ou três meses prejudicados e nós temos que tomar uma decisão o mais combinada possível entre as redes públicas e privada de ensino. Isso era para ser dialogado, mesmo se pudéssemos manter as datas. É uma relação que não sentimos firmeza naquilo que chamamos de regime de colaboração.

E não é fácil, porque estamos numa sociedade que se estrutura a partir de um modelo que tem que ter excluídos, que, numa hora dessa, tem que precisar de uma cesta básica para sobreviver


Como a gestão está se preparando para o retorno às atividades presenciais? 
Olhe, operacionalmente falando, se forem dois meses ou três meses de isolamento, me parece que haverá um prejuízo menor no sentido da reposição, da retomada. Mas aí já implica em riscos para o ano letivo e implica em um conjunto de decisões que precisam ser tomadas, inclusive legalmente.
Agora no sentido da concepção, acho que muita coisa muda. Nós não podemos deixar para depois uma reflexão sobre essa situação que veio à tona em relação ao que significa educação à distância, o papel da família, o papel da escola. Outro tema é a relação de colaboração entre os entes federados. Eu percebo muita empatia dos movimentos em quererem dar as mãos e fazer junto. Importante também discutir o tema da tecnologia, o papel da internet enquanto ferramenta pedagógica que possa fortalecer o processo de aprendizagem. E não é fácil, porque estamos numa sociedade que se estrutura a partir de um modelo que tem que ter excluídos, que, numa hora dessa, tem que precisar de uma cesta básica para sobreviver, para passar uma pandemia. Isso é triste para gente. É duro. 
Acho que a gente está vendo a importância das universidades num momento como esse, não só resolvendo problemas operacionais da saúde, mas também, no caso da gente aqui, na relação entre educação superior, educação básica, educação infantil, formação de professores.
Então vai depender muito do prazo que dura isso. Entramos no segundo mês e já estamos cansados, sufocados, no estresse.
Vai depender muito também, eu acho, do que pode acontecer nesse mês de maio. Há uma expectativa de perdas de vida. Por isso estamos clamando para que as pessoas fiquem em casa. Se houver mortes em um número muito grande, me parece que isso vai se sobrepor um pouco a situação das pressas. Se mais um mês a gente acabar sem muitas perdas de parentes, de irmãos, de amigos nossos, acho que vai ser um cenário de animação, de fome pelo estudo, pela escola, todo mundo querendo voltar a escola. Isso é bacana, dá uma animada. Mas se tiver muitas perdas, a gente pode sofrer com isso.
Encerro dizendo que nós que estamos a frente não podemos trabalhar com medo. Essa é a hora que nós que estamos liderando precisamos nos pronunciar para os colegas, estudantes e para a sociedade.

Edição: Elen Carvalho