A reforma da previdência na Bahia foi aprovada em dois turnos na noite do último dia 31, em meio a fortes protestos de servidores. A proposta havia sido suspensa dias antes pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), pela ausência de estudo sobre impacto financeiro e orçamentário, mas a decisão foi revista. Conversamos com Ronalda Barreto, coordenadora geral da Associação dos Docentes da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB) que nos conta como se deu o processo e como as novas medidas irão impactar a vida dos servidores públicos do estado.
Brasil de Fato: Como a reforma na Bahia foi influenciada pela reforma do Governo Federal, aprovada em 2019? O estado tinha um prazo para adequar-se?
Ronalda: Eram dois os pontos que necessitavam de urgente adequação: a criação do Regime de Previdência Complementar e o aumento da alíquota de desconto, aspectos que a Bahia já cumpriu em 2016 e 2018, respectivamente. Para os demais pontos, bem mais simples, há um prazo de 2 anos, o que não justifica a pressa do Governo. A Bahia antecipou-se ao governo Bolsonaro.
Em todo esse tempo houve apelo aos deputados para que não votassem a PEC. Era evidente que muitos deles não concordavam com o conteúdo e com o processo. A votação da Comissão de Constituição e Justiça deu-se sem nenhuma discussão entre os seus membros, o que demonstra que os parlamentares votaram por compromisso com o governador e não com o povo.
Como os demais governos do Nordeste vêm agindo?
Tenho notícias no Rio Grande do Norte, a governadora Fatima Bezerra (PT) instituiu uma comissão de estudo, está realizando reuniões de diálogo com segmentos do funcionalismo. O Governador Rui Costa destacou-se pelo autoritarismo no processo. Apresentou o projeto sem nenhuma discussão quer seja com parlamentares ou partidos políticos, muito menos com as entidades representativas do funcionalismo. Outra postura que não condiz, sobretudo com um ex-sindicalista, diz respeito às declarações que desqualificam o trabalho dos sindicatos e buscam colocar a opinião pública contrária aos servidores públicos. É uma postura semelhante à do governo federal e que tem como objetivo maior favorecer os fundos privados de previdência.
O que justifica a aquiescência a esse processo que contraria a história de luta de muitos parlamentares? Com certeza não é o possível déficit na Previdência, cujo estudo atuarial, se existe, poucos conhecem. Quais as explicações para um comportamento ditatorial de um governador do Partido dos Trabalhadores? Ao desqualificar os sindicatos, inclusive, o governador desqualifica a sua própria história.
Quais são as principais consequências para os trabalhadores?
Entre muitas, três destacam-se pelo nível de perversidade: para o servidor obter 100% da média dos 90% maiores salários, terá que trabalhar 35 anos se mulher e 40 anos se homem mesmo após atingir a idade mínima; a aposentadoria por invalidez corresponderia a 60% dos 90% maiores salários do servidor/a, rebaixando os seus proventos; em caso de morte do servidora/a na ativa, o processo é ainda mais perverso, deixando sua família em situação difícil: calcula os proventos nos moldes da aposentadoria por invalidez “aposenta o defunto”, estabelece uma cota familiar de 40% e uma cota de 20% por dependente (a emenda do relator modificou para cotas de 50% e 15% por dependente). Caso o cônjuge tenha menos de 42 anos, perderá esse valor de forma escalonada a depender da idade e os filhos perderão com a maioridade ou conclusão do ensino superior. Um/a esposo/a com apenas um filho ficaria, ainda, com 80% desse valor. Veja quantos rebaixamentos dos valores para manter o padrão de vida da família.
Qual sua percepção sobre a votação na Assembleia Legislativa?
Uma votação que deveria se dar em dois turnos, supunha-se, com tempo para debate, deu-se de forma açodada, em uma verdadeira “correria” em plena sexta-feira à noite e com uso da força contra os trabalhadores. Os deputados saíram por portas secundárias, escoltados pela polícia. Ao implementar políticas neoliberais e retirar direitos dos trabalhadores, fica na história da Bahia uma marca profunda no PT e uma grande crise entre a militância e as cúpulas dos partidos da base governista.
Edição: Elen Carvalho