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Por que pensar saúde pública para a população negra?

Desafios aumentam com Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
População negra tem expectativa de vida seis anos menor que a da população branca.
População negra tem expectativa de vida seis anos menor que a da população branca. - Comunica Levante

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado a partir da constituição de 1988, que declarou que a “Saúde é direito de todos e dever do Estado”. Conquistado a partir da ampla mobilização, conhecida como movimento pela “Reforma Sanitária”, é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. E abrange desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.
Mas se o SUS tem como objetivo universalizar o acesso à saúde, por que há necessidade de se pensar a saúde especificamente para população negra?
É o que explica Altair Lira, pesquisador, mestre em Saúde Coletiva e professor substituto da Universidade Federal da Bahia. Para ele, olhar os princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS não é suficiente para detectar as singularidades existentes. “É importante, dentro do planejamento em saúde, trabalhar com dados estatísticos confiáveis e não somente a “percepção ou senso comum”, contaminada de preconceitos e estereótipos. Dados obtidos dos sistemas de saúde demonstram que a população negra tem uma expectativa de vida seis anos menor que a da população branca (64/70 anos)”, comenta.
Lira chama atenção de que não é somente a influência do racismo nas relações sociais, mas como o racismo se apresenta como estruturante das desigualdades sociais no Brasil e afeta a população negra no campo da saúde. “Os indicadores que retratam as desigualdades raciais no campo da saúde, seja no modo como tratam as doenças associadas a determinantes raciais/étnicos, como a doença falciforme, a hipertensão arterial e outras, seja associada à discriminação na atenção e na assistência ou ainda quando construímos o perfil epidemiológico da população negra, é marcante a observação da precocidade dos óbitos em todas as faixas etárias para a população negra em comparação aos demais grupos”.
O pesquisador ressalta que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), aprovada no Conselho Nacional de Saúde em 2006, é uma política de saúde importante e necessária com o objetivo de estar voltada para a população negra, em razão do perfil epidemiológico diferenciado da população branca, bem como do advento do racismo institucional que impede o acesso aos serviços de saúde de forma adequada. “Nesse aspecto é importante dizer que o racismo enquanto ideologia, se estrutura na manutenção de privilégios para setores historicamente beneficiados e que por outro lado manejam a partir de seus interesses o controle dos bens públicos (material e simbolicamente)”, conclui.
Sobre os desafios para os próximos períodos, Altair reflete sobre a Emenda Constitucional que congela os gastos públicos por 20 anos representa uma ação nefasta que impactará negativamente no SUS e aqueles que mais o utilizam, a população negra, quase 80% dos usuários do sistema. “Novos investimentos em pesquisas e cuidados não mais acontecerão, evidenciando negligência e falta de compromisso público”, pontua.
Quanto ao próximo governo federal, Lira diz que os sinais não são promissores. “O Presidente eleito entende, por exemplo, que os gastos com o SUS são excessivos. Para fundamentar seu argumento ele utiliza de dados mal interpretados de um gráfico comparativo de países desatualizado e sem legenda. O mesmo, como deputado, votou a favor da PEC do Congelamento dos gastos. Prevê-se tempos difíceis para as políticas de equidade e para o SUS. Enfrentar o racismo, o machismo, a intolerância religiosa e todas as formas de preconceito e exclusão será um importante desafio do movimento negro brasileiro”, finaliza.

Edição: Elen Carvalho