Como toda instituição, a universidade pública comporta vícios e virtudes. Pode ser local de mera repetição de saberes, reprodução de diferenças de classe e competição por posições ou recursos; porém, mais ainda, é lugar de criatividade, superação de desigualdades e rica colaboração científica e expressão artística.
Assim, diante do ataque atual, devemos escolher qual universidade queremos defender, qual pode ter uma função emancipadora e ser o lugar de produção de conhecimentos e formação cidadã. O desafio é enorme, pois mesmo defensores da ampliação de direitos nem sempre têm um projeto autêntico de universidade ou conhecem sua natureza específica. Não podemos apenas querer mais do mesmo; para servir a interesses mais elevados da ciência, da formação acadêmica e de nosso povo, a universidade tem que ser pensada para além de sua condição atual.
O discurso de ataque à universidade insiste que ela não é um bom negócio e que o Estado deve desobrigar-se do compromisso com seu financiamento, concentrando-se na educação básica. Ora, bom ou mau, a universidade simplesmente não pode ser um negócio. Ela tem uma dinâmica pela qual o aporte de recursos, caso destinados ás suas atividades fins e bem controlados por instâncias autônomas, não se torna desperdício e, sem paradoxo, é também investimento na educação básica, que jamais poderá ter qualidade sem a pesquisa e o ensino de nível superior.
A muitos também parece absurdo conciliar excelência acadêmica e compromisso social. Mas esse é exatamente o cerne de um projeto de universidade necessária. Cabe-nos assim mostrar, com políticas e propostas, que uma inclusão efetiva eleva o nível de qualidade geral do sistema universitário e faz com que, enriquecido de povo, ele cresça no ensino, na pesquisa e na extensão, em novos talentos e conhecimentos.
Também é fundamental que os defensores da ampliação de direitos acreditem na importância da excelência acadêmica. Reacionários pensam ser o mérito um direito de classe, de raça ou de gênero, reduzindo a universidade a lugar de preservação de privilégios.
Para nós, ao contrário, o verdadeiro mérito prepondera, mas, não como um dado absoluto, e sempre anterior à universidade. A qualidade deve ser construída a cada dia, ao criarmos as melhores condições para a pesquisa científica e o ensino superior, mas também condições múltiplas para uma inclusão efetiva, aprofundando ações afirmativas, combatendo resquícios de discriminação institucionalizada e superando, enfim, as desigualdades pelo brilho mais forte e intenso de nossa gente.
*João Carlos Salles é reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Edição: Elen Carvalho